Histórias da época da ditadura no Ceará ainda precisarão ser contadas

As primeiras análises sobre o relatório da comissão nacional da verdade identificam lacunas sobre circunstâncias e personagens da ditadura militar no Ceará

Procurar, procurar, e não achar. Para vítimas cearenses da ditadura militar e parentes de ex-presos políticos desaparecidos, folhear o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) tem sido um ato de busca por relatos que parecem ter se perdido nas mais de quatro mil páginas do documento. A satisfação pela conclusão do trabalho, aguardado há décadas por quem se diz lesado pela repressão, mistura-se a doses de frustração, ao se perceberem lacunas naquele apanhado de memórias.

Segundo Maria Eliana de Castro Pinheiro, irmã do cearense Teodoro de Castro – capturado e morto na Guerrilha do Araguaia, cujos restos mortais jamais foram encontrados –, as referências ao episódio que durou cerca de sete anos somam apenas 38 páginas. “Para um episódio de importância descomunal na história do País, o documento não foi inovador, embora a gente saiba que há inovações. Falam de todos (os que morreram), fazem uma biografia, mas não fizeram descobertas de buscas, pra tentar descobrir as circunstâncias da morte e os autores”, avalia Eliana – que, ainda hoje, participa de expedições à região do Araguaia.

Na lista dos 377 responsáveis por crimes contra a humanidade, deixaram de figurar nomes de cearenses apontados como torturadores – alguns deles, confessos – em relatórios de grupos como o Tortura Nunca Mais, das comissões de direitos humanos da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal, e do Projeto Brasil: Nunca Mais, desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns e Jaime Wright. O Ceará aparece na lista com menções ao ex-presidente da República Humberto Castello Branco e o delegado de polícia federal João Lucena Leal.

Os “buracos” na representação do Estado nas páginas do relatório são apontados pelo presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, Mário Albuquerque, como possível reflexo de dois problemas: as dificuldades de organização interna e de metodologia na CNV – que acabou atrasando os trabalhos e embaralhando o processo – e a ausência de uma comissão da verdade unificada, com poder de Estado, no Ceará.

“Fez muita falta uma organização estadual unificada, para organizar o material, e o resultado é um documento muito distante de contemplar toda a realidade. Aqui nós temos comissões das universidades públicas, que ainda não divulgaram relatório final, e a do Sindicato dos Jornalistas, que vai divulgar o relatório final no próximo dia 20, além do comitê da Memória, Verdade e Justiça, da Assembleia. Faltou uma integração maior. E acho que nós fomos pouco demandados pela CNV, que pediu informações específicas”, diagnosticou Albuquerque, que também é conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

O sentimento identificado entre os entrevistados pelo O POVO, no entanto, é menos de desânimo do que de expectativa e cobranças pela continuidade do trabalho. Mário Albuquerque lembra que a criação de uma comissão estadual da verdade foi colocada como compromisso do governador eleito Camilo Santana (PT). “O relatório de conclusão é o início, e não o fim. O trabalho terá de ser continuado”, alerta.

 

NÚMEROS

10

Locais de tortura no Ceará foram apontados no relatório da CNV. Nos documentos disponibilizados até agora, no entanto, não há detalhes sobre o que ocorria em cada um dos pontos.

 

 

Fonte – O Povo

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