Livro sugere que infiltração destruiu a guerrilha das esquerdas brasileiras

“A Casa da Vovó — Uma Biografia do DOI-Codi (1969-1991), o Centro de Sequestro, Tortura e Morte da Ditadura Militar” (Alameda, 611 páginas), do jornalista Marcelo Godoy, de “O Estado de S. Paulo”, é um notável livro de história. Não é um mero relato jornalístico. Trata-se de uma pesquisa exaustiva, nuançada e bem escrita. O livro esclarece histórias às vezes tão-somente esboçadas noutras obras.

Para contar a história do DOI-Codi, além de pesquisar noutras fontes, inclusive livros, Marcelo Godoy decidiu ouvir agentes — inclusive mulheres — que trabalharam no órgão de combate à guerrilha das esquerdas brasileiras. Seu relato, porém, não é subserviente às fontes. É “seu”, quer dizer, ouve os agentes, mas confronta suas versões e apresenta, de maneira equilibrada, um denominador comum.

O repórter, no lugar de “desmentir” o coronel Brilhante Ustra, abre espaço para os agentes — alguns deles com nomes reais apresentados, outros com codinome — contestarem as versões do comandante do DOI-Codi.

Baseado nas entrevistas, Marcelo Godoy conclui que a guerrilha foi destroçada, em larga medida, devido ao trabalho dos “cachorros”, guerrilheiros que, “virados” pelos militares e policiais, se tornaram informantes. “O uso de informantes foi um dos métodos mais eficazes, às vezes até mais do que a tortura, para a destruição das organizações de esquerda”, afirma. Os esquerdistas se tornavam informantes mais para sobreviver do que por convicção. Há, claro, aqueles que se tornaram apoiadores da ditadura, como o Cabo Anselmo.

A Ação Libertadora Nacional foi destroçada, em grande parte, graças ao informante João Henrique Ferreira de Carvalho, que se tornou o informante Jota. Ele deu informações precisas sobre os guerrilheiros da ALN. Era amigo do poeta Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva), que militava em Goiás e São Paulo. O Molipo foi destroçado com a ajuda do informante Camilo. Gilberto Prata Soares contribui para a destruição da APML. Ele entregou o cunhado e Honestino Guimarães caiu ao se pôr em contato com José Carlos da Mata-Machado. O Cabo Anselmo contribuiu para a liquidação da VPR e da VAR-Palmares. Jover Teles (o informante VIP) entregou, por dinheiro, a cúpula do PC do B.

Uma história mostra a coragem suicida do guerrilheiro Frederico Mayr, do Molipo. Preso e baleado, foi levado para a Casa da Vovó (o DOI). O comandante Brilhante Ustra “abriu a porta do interrogatório e aproximou-se de Mayr:

— Ô, meu filho, fala aí, é melhor pra você…
— Eu não vou falar, seu gorila filho da puta…

Ustra deu-lhe as costas para sair e o guerrilheiro enfiou-lhe o pé na bunda. O chute tornou mais duro o tratamento que lhe foi reservado. “Mayr agonizou nas mãos do capitão Ramiro e morreu na sede do DOI em consequência dos ferimentos e das torturas”, relata Marcelo Godoy.

A morte do arquiteto-guerrilheiro Antônio Benetazzo impressiona pela brutalidade dos policiais e militares.

Pessoas de Goiás ou ligadas ao Estado que são citadas no livro: A.C. Scartezini, Aldo Arantes, Athos Pereira da Silva (irmão de Tierra), Edmilson de Souza Lima (repórter de “O Popular”), Gilberto Prata Soares, Marco Antônio Tavares Coelho (trabalhou no “Diário da Manhã), Pedro Tierra, Renato Dias (seu livro sobre o Molipo é listado) e Tarzan de Castro.

 

 

Fonte – Jornal Opção

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