Episódio ignorado à época, devido à censura durante a ditadura militar, a Guerrilha do Araguaia vem se tornando objeto de bibliografia cada vez mais extensa. Araguaia – Histórias de Amor e de Guerra, do jornalista Carlos Amorim, é o sexto livro sobre a luta armada no interior do país, sem contar as obras de circulação regional e as biografias de participantes.
O autor também demonstra competência no trato das fontes, ao descartar, por inconfiáveis, livros produzido por militares e civis identificados com o ideário do golpe de 1964.Organizada pelo Partido Comunista do Brasil, a ousada e ingênua guerrilha pretendia derrubar a ditadura e instalar o socialismo de viés maoísta. Essa história foi contada pela primeira vez nos livros de Palmério Dória e Fernando Portela, publicados no final dos anos 1970, depois de a guerrilha ter sido exterminada por uma expedição do Exército.
Nos últimos anos, outras três obras esclareceram detalhes de uma história ainda não de todo conhecida. Em 2005, Taís Morais e Eumano Silva divulgaram documentos secretos do Exército, tarefa completada no ano seguinte por Hugo Studart. Em 2012, Leonencio Nossa expôs o arquivo pessoal do major Curió, o homem que personificou a política de extermínio dos guerrilheiros.
Beneficiando-se desses trabalhos, Amorim privilegia a visão do conjunto, algo que os outros autores sacrificaram para poder abrir mais espaço para a investigação.
A guerrilha é apresentada no contexto político, ideológico e cultural da época. A boa iniciativa, porém, fica ameaçada quando, com frequência, um amplo painel do mundo dos anos 1960 e 70 disputa o foco narrativo com a guerra na selva.
O Araguaia de Amorim é um livro híbrido. Tem reportagem, memória, autobiografia, análise, digressões, até sugestão de trilha sonora, tudo embalado em uma prosa em primeira pessoa vazada num estilo esparramado.
Cinema
Com clara vocação cinematográfica – os intertítulos são antecedidos pela expressão “corta” –, a obra reconstitui cenas não presenciadas por Amorim, que se vale, como recurso ficcional, de uma “câmera imaginária do autor”. Com trajetória profissional fincada na TV, o jornalista chega a embutir no texto indicações típicas de roteiro (“zoom-in na cara de um homem mais velho, a lente fechando devagar”).
Embora não se destaque por interpretações novas, Amorim argumenta, contra a visão predominante, que a guerrilha, iniciada em 1966, teria acabado em 1976, com o massacre da liderança do PCdoB em São Paulo, e não em 1973, quando o movimento no campo foi derrotado.
Ele também crava um número maior de mortos entre os guerrilheiros. Pela sua conta, teriam sido 94, e não 86, segundo documentos militares, ou 75, de acordo com o próprio PCdoB.
O autor também demonstra competência no trato das fontes, ao descartar, por inconfiáveis, livros com forte viés ideológico e sites como o Terrorismo Nunca Mais, produzido e mantido por militares, ex-militares e civis identificados com o ideário do golpe de 1964.
Por Oscar Pilagallo – jornalista e autor de História da Imprensa Paulista e A História do Brasil no Século 20
Fonte – Observatório da Imprensa