Indenização ao anistiado deve ser vinculada à remuneração da ativa

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias assegura ao anistiado político atingido em sua esfera profissional uma indenização correspondente ao valor que receberia em serviço ativo[1].

O benefício é devido aos servidores e empregados públicos e privados que tenham sido prejudicados profissionalmente por razões exclusivamente políticas, garantidas as promoções e respeitadas as características das respectivas carreiras ou categorias profissionais.

Responsável por regulamentar o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Lei 10.559/2002 estabelece duas modalidades de reparação econômica, de caráter indenizatório, devidas aos anistiados políticos e não cumuláveis entre si: (i) prestação única e (ii) prestação mensal, permanente e continuada[2]. A primeira é devida àqueles anistiados que não puderem comprovar vínculo com atividade laboral; a segunda, àqueles que comprovarem vínculo profissional à época das punições.

Os artigos 6º e 7º da Lei 10.559/2002 definem os critérios para o estabelecimento do valor da prestação mensal, permanente e continuada[3].

Na esteira do comando veiculado pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, esses dispositivos asseguram que o valor da prestação mensal deva corresponder ao montante que o anistiado perceberia “se na ativa estivesse”[4].

O propósito da norma constitucional e, por consequência, da norma regulamentadora (Lei 10.559/2002) é o de assegurar aos anistiados prejudicados em sua carreira profissional uma indenização que corresponda, da maneira mais fiel possível, aos rendimentos mensais que a vítima auferiria caso não tivesse sofrido perseguição política.

Para alcançar os rendimentos do serviço ativo, os dispositivos legais referidos exigem sejam respeitados os regimes jurídicos, as graduações e as promoções que seriam alcançadas, assim como demais direitos e vantagens devidos à categoria profissional.

Com o mesmo desiderato, a Lei 10.559/2002 estabelece a busca pela situação paradigma, considerada pelo artigo 6º, § 4º, dessa lei como “a situação funcional de maior frequência constatada entre os pares ou colegas contemporâneos do anistiado que apresentavam o mesmo posicionamento no cargo, emprego ou posto quando da punição”.

Caso o anistiado comprove que era remunerado por mais de uma atividade laboral, sua prestação mensal deve corresponder à soma dos respectivos rendimentos, conforme artigo 7º, § 1º, da Lei 10.559/2002[5].

Ou seja, incumbe ao aplicador do Direito o dever de encontrar o valor que exprima, fidedignamente, os rendimentos que anistiado auferiria caso não tivesse sofrido prejuízos de ordem profissional.

No exercício desse dever, o responsável deve manejar com propriedade as informações prestadas, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei 10.559/2002, por empresas, órgãos e entidades sobre o valor que o profissional receberia caso não tivesse sido punido pelos excessos da ditadura militar.

A questão consiste em saber quais são as informações que realmente veiculam o montante que o anistiado auferiria mensalmente em atividade. As informações mais precisas são aquelas prestadas pela empresa ou entidade com a qual o empregado detinha vínculo profissional e pelo órgão em que atuava o servidor público.

A empresa ou entidade empregadora é quem possui banco de dados mais apropriado para informar a evolução funcional que o anistiado empregado obteria em atividade.

Da mesma forma, o Setor de Recursos Humanos e o Departamento de Pessoal dos órgãos públicos podem atestar oficialmente, com a máxima propriedade, a carreira, o cargo e o posicionamento, com todas as referências específicas, que o servidor atingiria no quadro funcional.

As empresas empregadoras e os órgãos públicos são os mais autorizados a definir a situação paradigma específica do anistiado, por possuírem o registro funcional de todos os profissionais a eles vinculados e, assim, estarem habilitados a identificar com precisão as informações dos pares e colegas contemporâneos do profissional perseguido.

Na ausência de informações advindas da empresa ou órgão em que o anistiado exercia suas atividades, deve o aplicador do Direito recorrer às informações das ordens, sindicatos ou conselhos profissionais a que o anistiado estava ligado à época da punição.

Essas entidades tiveram atuação marcante durante a ditadura militar, além de possuírem arquivo que viabiliza formular o futuro que o profissional alcançaria, respeitadas as especificidades do emprego ou cargo ocupado pelo anistiado; assim como as características da carreira, conforme empresa ou órgão de lotação a que estava ligada a vítima de perseguição política.

O arbitramento por pesquisa de mercado, baseado, por exemplo, nas informações disponibilizadas pelo Datafolha Instituto de Pesquisas e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), deve ser a última opção para se definir o valor da prestação mensal, permanente e continuada. As pesquisas divulgadas pelos aludidos institutos são genéricas; divulgam uma média remuneratória do cargo, no entanto, sem considerar a empresa ou órgão a que estava ligado o anistiado, o respectivo plano de carreira ou a situação paradigma.[6]

O critério do arbitramento por pesquisa de mercado deve ser aplicado de forma subsidiária, quando não mais for possível saber o valor remuneratório que a empresa/órgão pagaria aos seus trabalhadores/servidores, tal como na hipótese de uma empresa não mais existir, situação essa muito comum tendo em vista o extenso transcurso de tempo entre a ditadura militar e a concessão da indenização.

Fora isso, não pode prevalecer o arbitramento genérico em detrimento de informações específicas prestadas por empresas, órgãos ou, mesmo, entidades sindicais.

Esse entendimento foi aplicado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por ocasião do julgamento de apelação em que um profissional demitido da General Motors figurava como apelado[7].

A prestação mensal, após deferida, permanece atrelada à remuneração do serviço ativo. Conforme artigo 8º da Lei 10.559/2002[8], essa prestação será reajustada sempre que houver aumento da remuneração que o anistiado receberia em serviço ativo.

Enfim, a prestação mensal, permanente e continuada deve estar fielmente vinculada à remuneração da ativa, de forma a ser preservado o propósito constitucional de assegurar, ao anistiado punido na esfera profissional, os verdadeiros rendimentos mensais que auferiria caso não tivesse sido vítima de perseguição política.

 

 

[1] “Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

§ 1º. Omissis

§ 2º. Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.

§ 3º. Omissis

§ 4º. Omissis

§ 5º. A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º” (sublinhas aditadas).

[2] Cf. arts. 4º e 5º da Lei 10.559/2002.

[3] “Art. 6º. O valor da prestação mensal, permanente e continuada será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas.

§1º. O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, informações de órgãos oficiais, bem como de fundações, empresas públicas ou privadas, ou empresas mistas sob controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais a que o anistiado político estava vinculado ao sofrer a punição, podendo ser arbitrado até mesmo com base em pesquisa de mercado.

§2º. Para o cálculo do valor da prestação de que trata este artigo serão considerados os direitos e vantagens incorporados à situação jurídica da categoria profissional a que pertencia o anistiado político, observado o disposto no § 4o deste artigo.

§ 3o. As promoções asseguradas ao anistiado político independerão de seu tempo de admissão ou incorporação de seu posto ou graduação, sendo obedecidos os prazos de permanência em atividades previstos nas leis e regulamentos vigentes, vedada a exigência de satisfação das condições incompatíveis com a situação pessoal do beneficiário.

§4º. Para os efeitos desta Lei, considera-se paradigma a situação funcional de maior frequência constatada entre os pares ou colegas contemporâneos do anistiado que apresentavam o mesmo posicionamento no cargo, emprego ou posto quando da punição.

§ 5º. Omissis

§ 6º. Omissis

Art. 7o O valor da prestação mensal, permanente e continuada, não será inferior ao do salário mínimo nem superior ao do teto estabelecido no art. 37, inciso XI, e § 9o da Constituição.

§ 1o Se o anistiado político era, na data da punição, comprovadamente remunerado por mais de uma atividade laboral, não eventual, o valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual à soma das remunerações a que tinha direito, até o limite estabelecido no caput deste artigo, obedecidas as regras constitucionais de não-acumulação de cargos, funções, empregos ou proventos.

§ 2o Para o cálculo da prestação mensal de que trata este artigo, serão asseguradas, na inatividade, na aposentadoria ou na reserva, as promoções ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teria direito se estivesse em serviço ativo” (sublinhas aditadas).

[4] Art. 6º, caput, da Lei 10.559/2002.

[5] Cf. art. 7º, caput, e § 1º da Lei 10.559/2002, o valor da prestação mensal, permanente e continuada é limitado ao teto do art. 37, XI, e § 9º da Constituição da República, e devem ser respeitadas as regras de não-acumulação de cargos, funções, empregos ou proventos.

[6]  Cf. http://datafolha.folha.uol.com.br/ e http://www.salarios.org.br/#/.

[7] “1. No art. 6º, caput, a Lei 10.559/2002 estabelece que ‘o valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas’. No parágrafo primeiro do mencionado dispositivo está previsto que ‘o valor da prestação mensal, permanente e continuada, será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, informações de órgãos oficiais, bem como de fundações, empresas públicas ou privadas, ou empresas mistas sob controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais a que o anistiado político estava vinculado ao sofrer a punição, podendo ser arbitrado até mesmo com base em pesquisa de mercado’.  2. É perceptível do texto legal supra que a fixação de indenização por arbitramento dá-se de forma supletiva, quando inviável a obtenção do valor da remuneração do anistiado a partir dos elementos fornecidos pelas partes ou pelas informações prestadas por órgãos públicos, empresas públicas, privadas ou mistas sob o controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais.  3. Ao deferir pensão ao apelado, a Comissão de Anistia declara que: a) ‘optou por utilizar como critério para fixação do valor da reparação econômica, nos termos da parte final do § 1º do art. 6º da Lei 10.559/2002, os valores salariais médios informados pelos institutos de pesquisas que monitoram o mercado de trabalho (Ex. Datafolha), tendo em vista que, conforme acordo coletivo de trabalho, enviado pela empresa General Motors do Brasil S/A, de São José dos Campos/SP, com vigência de 01 de setembro de 2007 a 01 de agosto de 2009, não há plano formal de progressão funcional’; b) ‘o anistiando laborava na função de Ferramenteiro Especializado, profissão esta que não consta da listagem da pesquisa de mercado do Datafolha’; c) ‘a função que mais se assemelha é a de Ferramenteiro, cujo valor médio é no importe de R$ 3.332,00’.  4. A mencionada decisão da Comissão de Anistia afrontou a Lei n. 10.559/2002, na medida em que desconsiderou informação do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região na qual é revelado que, tomando-se por base caso paradigmático, o anistiado possivelmente alcançaria a função de supervisor de ferramentaria, com remuneração de R$ 8.708,86. 5. Embora inexista plano de progressão funcional na empresa em que o anistiado laborava antes de ser injustamente demitido – por conta de participação em movimento paredista, em condições normais, poderia ter alcançado a função de supervisor de ferramentaria, conforme se observa do caso paradigma.  6. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 1ª Região, AC 0027137-59.2009.4.01.3400/DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS, 5ª TURMA, e-DJF1 p.600 de 22/06/2012).

[8] “Art. 8o O reajustamento do valor da prestação mensal, permanente e continuada, será feito quando ocorrer alteração na remuneração que o anistiado político estaria recebendo se estivesse em serviço ativo, observadas as disposições do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

 

 

 

Fonte – Gustavo Henrique Linhares Dias- Revista Consultor Jurídico

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