A Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília (UnB) receberá críticas e sugestões da população para aprimorar o relatório de suas atividades. O documento, apresentado hoje (22), relata fatos ocorridos na UnB desde o golpe militar no país, como a intervenção de tropas no campus universitário, até a promulgação da nova Constituição, em outubro de 1988. O relatório ficará sob consulta por um mês num hotsite, no Portal UnB.
Membros da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB apresentam o relatório com o resultado de 32 meses de trabalhoJosé Cruz/Agência Brasil
“Estamos inovando a forma de entregar esse relatório, ele é provisório. Ele está pronto, mas vamos mantê-lo por um mês no site da UnB aberto a críticas, sugestões, àqueles que queiram colaborar da maneira que for, corrigindo erros e acrescentando depoimentos”, disse o coordenador de pesquisa da comissão, José Otávio Guimarães.
Criada em agosto de 2012, a comissão ouviu 45 pessoas entre professores, técnicos e estudantes perseguidos durante a ditadura, reuniu e analisou documentos de arquivos jornalísticos, do Arquivo Nacional e de outros acervos, e promoveu audiências públicas. O relatório preliminar tem 331 páginas e 16 recomendações.
“Durante todo esse período, sobretudo de 1964 até 1985, a universidade sofreu intensivamente uma vigilância estrita dos militares. Foi várias vezes invadida, professores foram demitidos, alunos foram expulsos, presos e torturados”, disse José Otávio Guimarães.
Para o professor emérito da Universidade de Brasília Luís Humberto, membro da comissão, o golpe de 1964 não foi apenas político, mas também um golpe contra a inteligência brasileira. “No momento em que se corta uma ação possível de inteligência atuante, você também corta as pernas de um país. Foi o que fizeram aqui, com perseguição à universidade e pessoas, e liquidação do plano do Anísio Teixeira. Os resíduos de uma ação truculenta e da tentativa de liquidação da universidade foram tão sérios que não podem ser esquecidos, como não pode ser esquecido colocar na fogueira todas as pessoas que contestavam a verdade oficial”, disse.
Entre os casos emblemáticos analisados está o de Anísio Teixeira, reitor da Universidade de Brasília afastado do cargo pelos militares, que morreu em 1971 em circunstâncias até hoje questionadas pela família. Outros casos a serem desvendados são os dos desaparecidos Honestino Monteiro Guimarães, Paulo de Tarso Celestino e Ieda dos Santos Delgado.
Segundo o coordenador José Otávio Guimarães, a comissão, apesar de não ter conseguido localizar os corpos dos desaparecidos ou dar uma resposta definitiva para o caso Anísio Teixeira, avançou muito no mapeamento da repressão na universidade. “Avançamos no mapeamento do aparelho repressor, descobrimos como ele funcionava dentro da universidade, com escutas, instaurando um clima de medo, com punições a alunos e a professores que se colocaram contra o regime. Avançamos na descrição de torturas que vários alunos sofreram”, disse. Ele informou que a comissão fez um mapeamento cartográfico da repressão na UnB, pois as ações ultrapassaram o campus da universidade, com alunos levados a ministérios e outros lugares da cidade para ser torturados.
Mateus Guimarães, sobrinho de Honestino Monteiro Guimarães, disse que é preciso refletir sobre o papel das universidades no Brasil e da democracia. “Continuamos a ver pessoas serem perseguidas por conta daquilo que pensam, sendo presas e torturadas por conta do que amam e acreditam, e sendo mortas, ocultadas, por causa da condição em que nasceram. Então, não podemos nos furtar dessa realidade e do papel central da universidade de transformá-la.”
Sobre as últimas manifestações no país e as pessoas que pedem intervenção militar para fortalecer a democracia, Mateus Guimarães afirma que boa parte da população continua sendo oprimida pelo sistema a ponto de não ter consciência da própria capacidade e da responsabilidade enquanto indivíduos. “Uma grande questão é o desconhecimento completo do que significa a ditadura militar. Precisamos fazer com que trabalhos como esse [das comissões da verdade] se multipliquem de maneira mais contundente para chegar à população”, disse. “No Brasil, direitos coletivos são negligenciados em detrimento do interesse de poucos. Nunca houve, de fato, justiça em relação aos torturadores e agentes que estiveram envolvidos ou que favoreceram e efetivaram a ditadura no nosso país. Então, nosso trabalho aqui é de extrema responsabilidade.”
Ao encerrar a cerimônia de entrega do relatório, o reitor da UnB, Ivan Camargo, pediu desculpas a todos que sofreram violações de direitos humanos na universidade, ocorridas entre 1º de abril de 1964 e 5 de outubro de 1988.
Fonte – Agência Brasil