Na última terça-feira, 23, foi lançado em Goiânia o livro “O menino que a ditadura matou”, sobre o desaparecido político mais jovem do Brasil, escrito pelo jornalista e sociólogo Renato Dias. A obra autografada na Assembleia Legislativa de Goiás, conta a história de Marcos Antônio Dias e de sua mãe, morta em 2006. 45 anos depois, a família ainda quer encontrar os restos mortais do estudante.
Durante 36 anos, a assistente social aposentada Maria de Campos Baptista vasculhou cadeias espalhadas pelo Brasil, recepcionou exilados políticos, dialogou com generais e agentes dos órgãos de informação da ditadura civil e militar de 31 de março de 1964 e, em chegou a recorrer ao médium Chico Xavier. Tudo para encontrar o seu filho Marcos Antônio Dias Batista, um estudante do Colégio Lyceu de Goiânia que queria fazer Medicina, que desaparecera, sem deixar vestígios, em maio de 1970, na Capital do Estado. Ele tinha 15 anos de idade.
A Justiça Federal lhe deu uma réstia de esperança: determinou que o ministro da Defesa, o então vice-presidente da República, José Alencar, a recebesse em audiência, em Brasília, dia 15 de fevereiro de 2006, e abrisse os arquivos das Forças Armadas com informações sobre o menino. Animada, ao sair do encontro, ela morreu, aos 78 anos de idade, em acidente trágico.
Essa é a história que o jornalista e sociólogo Renato Dias conta no livro-reportagem ‘O menino que a ditadura matou – Luta armada, VAR-Palmares e o desespero de uma mãe’ [Junho de 2015], 400 páginas. A obra consumiu 10 anos de pesquisas a acervos da repressão política e militar, como os arquivos do Dops de São Paulo e Goiás, do extinto SNI [Serviço Nacional de Informações], criado por Golbery de Couto e Silva, do Centro Edgar Leuenroth, da Unicamp [Campinas, SP].
Mais: dezenas de entrevistas foram realizadas com ex-militantes revolucionários das décadas de 1960 e 1970, companheiros de jornadas democráticas e socialistas de Marcos Chinês, como era chamado no movimento estudantil, em função da identidade com as táticas e estratégias de Mao-Tsé-tung.
O garoto, relata o autor, começou a participar das atividades políticas após a morte do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, no Restaurante Calabouço, Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968. Ele estudava à época no Colégio Atheneu Dom Bosco, onde apareceu um diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas [UBES], ligado à organização de esquerda Ação Popular, Euler Ivo Vieira, conclamando para uma manifestação de protestou. Não deu outra. Entusiasmado, acompanhou os estudantes. No ato de protesto morrera, em Goiânia, no centro, um lavador de carros, Ornalino Cândido da Silva. No dia seguinte, a Polícia Militar do Estado de Goiás invadiu a Catedral Metropolitana e atirou em dois estudantes, lá escondidos: Telmo de Faria e Lúcia Jaime. Os incidentes que envolviam os estudantes e a repressão política e militar tiveram ampla cobertura do jornal ‘Cinco de Março’.
Com a decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, redigido por Gama e Silva e anunciado pelo general Arthur da Costa e Silva, da linha dura, com a anuência de Delfim Netto e Jarbas Passarinho, o tempo fica nublado para a oposição em Goiás e no Brasil, informa o autor Renato Dias. Depois de integrar a AP, Marcos Chinês cria a Frente Revolucionária Estudantil [FRE] e ingressa na VAR-Palmares [Vanguarda Armada Revolucionária Palmares], que nasceu em 1969 e protagonizou a mais espetacular ação da luta armada até então no Brasil: o roubo do cofre do ex-governador do Estado de São Paulo Adhemar de Barros, aquele do bordão ‘rouba mas faz’, que encontrava-se, no Rio de Janeiro, sob a guarda de sua amante, Ana Capriglione, codinome “Dr. Rui”. Nada mais, nada menos do que uma bagatela de 2,5 milhões de dólares. Não faltariam mais recursos para a revolução, acreditavam os enragés.
– Dólares do roubo do cofre chegaram a Goiás.
Marcos Chinês também protagonizou ações ousadas, como a explosão do jeep do coronel Pitanga Maia, secretário de Estado de Segurança Pública à época. O ato ocorreu em 1969. O estudante entrou para a clandestinidade em outubro daquele ano. A repressão fechava o cerco e ele deixou a casa da mãe, uma funcionária que possuía apenas o ginásio, e do pai, um caminhoneiro. A família era muito pobre, diz Renato Dias.
O militante da VAR-Palmares, mesma organização de Dilma Rousseff, que seria presa em janeiro de 1970, em São Paulo, com Mariano Joaquim, codinome Loyola, circulou pelo norte de Goiás, atual Es¬tado do Tocantins, para arregimentar camponeses para a guerra popular prolongada contra a ditadura civil e militar e pela cons¬trução do socialismo diferente do modelo soviético. Preso em maio de 1970, ele nunca mais foi visto.
Loyola também integra a relação oficial dos desaparecidos da Comissão Nacional da Verdade
– Durante dez anos, de 1970 a 1980, a minha mãe, Maria de Campos Baptista, deixou a porta de nossa casa aberta esperando, em vão, o seu retorno ao lar.
15 é o número de mortos e desaparecidos no Estado de Goiás.
Perfil do autor
Renato Dias, 47, é jornalista (Alfa), sociólogo (UFG), mestre em Direito e Relações Internacionais (PUC-GO) e autor de “Luta Armada/ALN-Molipo – As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomaz” (2012), e de “História – Para além do jornal – Um repórter exuma esqueletos da ditadura civil e militar” (2013).
Especialista ainda em ditadura civil e militar, esquerdas e socialismos, o autor de ‘O menino que a ditadura matou – VAR-Palmares, desaparecimento e o desespero de uma mãe’ já lançou, em 2015, ‘Pequenas histórias – Cuba, hoje – Uma revolução envelhecida ou a reinvenção do socialismo?’
O escritor quer lançar, dia 10 de dezembro, “Transição sem Justiça – Uma análise da passagem da ditadura civil e militar no Brasil para a democracia em comparação com os países do Cone-Sul, Europa e África do Sul”. Renato Dias escreve ainda livro sobre o que pensam os trotskistas, hoje, no Brasil
Fonte – Grabois