A Comissão Estadual da Verdade, de Sergipe, deve ser, segundo definiu o governador Jackson Barreto (PMDB), na instalação do grupo, um instrumento para identificar e tornar pública as graves violações aos Direitos Humanos
Resgatar as verdades de um período repleto de lacunas na história de Sergipe e do Brasil, a Ditadura Militar. Com esse propósito o governador Jackson Barreto assinou nesta terça-feira (30) o decreto que instala a Comissão Estadual da Verdade Paulo Barbosa de Araújo. Um ato histórico em nome da democracia e da memória daqueles que lutaram e sofreram pela redemocratização do País.
A Comissão Estadual deve ser um instrumento para identificar e tornar pública as graves violações aos Direitos Humanos praticados durante o regime militar, ainda que não tenha função punitiva.
“Ela não tem um caráter revanchista, não é o ódio que a conduz, no entanto, é preciso o esclarecimento dos fatos para guardarmos para História, para que as novas gerações, de forma profunda, tomem conhecimento do que aconteceu em Sergipe. Servirá, também, como um alerta para que estes fatos nunca mais se repitam, nem em Sergipe nem em qualquer parte do Brasil. É um ato em favor da democracia. Nós devíamos isso ao povo sergipano, aos que lutaram pela redemocratização do País e deram sua contribuição aqui, em Sergipe. Aos que foram presos, torturados, aos que desapareceram, àqueles que foram cassados ou demitidos das suas funções públicas, àqueles que foram julgados por tribunais militares e acusados da Lei de Segurança Nacional. Sem dúvida alguma, é um registro que precisa ficar guardado não apenas na mente, mas nos documentos da história do nosso estado”, explicou o governador.
De acordo com Jackson Barreto, que participou ativamente da luta pela redemocratização do Brasil, o momento foi também de emoção ao relembrar os obstáculos enfrentados na época de repressão.
“Quando a gente reencontra os companheiros e relembramos tudo que enfrentamos, a gente diz: valeu. Digo com o coração aberto, tudo o que fizemos pela democracia e pela liberdade faríamos novamente. Preparamos essa Comissão com muito zelo, fizemos os convites às pessoas bastante qualificadas e acima de qualquer avaliação de ordem pessoal. Queríamos uma comissão que tivesse carimbo de pessoas comprometidas com a verdade, pesquisadores, historiadores, pessoas ligadas à Universidade e que fossem capazes de, ao final desse trabalho, oferecer um documento para que a gente possa amanhã guardar as memórias do período de chumbo da ditadura de Sergipe, dos que foram vítimas, dos que foram perseguidos. E para que as novas gerações tenham esse documento como fonte de pesquisa para saber o que aconteceu no passado e ajudar a formar sua personalidade, seu caráter, seu compromisso democrático, e contribuir para que esses fatos nunca mais se repitam nem em Sergipe, nem no Brasil”, reforçou.
“A minha geração cresceu e se forjou tendo que enfrentar o que talvez seja a pior adversidade de uma sociedade: a negação do direito à expressão e à liberdade. Saímos melhores dela; e se é na adversidade que se constrói o caráter, foi ali que consolidamos o sonho de uma sociedade mais justa, mais igual e, acima de tudo, livre, um sonho que hoje guia a nossa visão de mundo e a nossa ação como políticos e governantes”, discursou Jackson.
Em seu discurso, o governador destacou ainda, as atribuições da comissão. “Ela tem papel e objetivos claros, e eu diria, vitais para nossa democracia, como bem expressa o decreto de sua criação: a esta Comissão está dada a tarefa de esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de Direitos Humanos no período que vigorou a ditadura militar no Brasil. Promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de perseguição política, prisões arbitrárias, torturas, mortes e/ou assassinatos, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ocorridos no território do Estado de Sergipe, ou contra sergipanos, ainda que ocorridos fora do Estado; identificar e tornar públicas as estruturas, os locais, as instituições de Sergipe e as circunstâncias relacionadas à prática de violações de Direitos Humanos. Encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e na identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos. Colaborar com todas as instâncias do poder público para a apuração de violações de Direitos Humanos. Recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de Direitos Humanos, assegurar a sua não repetição e promover a efetiva reconciliação estadual e nacional. Promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história nos casos de graves violações de Direitos Humanos, bem como, colaborar para que seja prestada assistência às vítimas e familiares, de tais violações e estabelecer medidas necessárias à guarda e conservação da documentação e registros históricos coligidos ao longo do trabalho”.
Foram apresentados os membros que compõem a Comissão, composta por pesquisadores consagrados no estado. Doutor em Ciências Econômicas, o ex-reitor da Universidade Federal de Sergipe e reitor da Universidade Federal de Integração Latino Americana (Unila), o professor Josué Modesto dos Passos Subrinho, presidirá a Comissão. Para o reitor, é uma honraria presidi-la. “A comissão é formada por diversos pesquisadores que estão em plena atividade, que estão produzindo esses estudos importantes. Presidir esta comissão, nas circunstâncias que eu ainda estou exercendo na Reitoria, é um encargo muito desafiador, mas eu tenho certeza que os membros da Comissão estão muito entusiasmados com este desafio lançado pelo Governo do Estado. Esperamos contribuir para o resgate da memória, deste período da história de Sergipe. Já há muitas pesquisas e publicações importantes, há muita documentação, o que precisamos fazer é tornar essa documentação mais sistemática e mais acessível ao público e aos pesquisadores em geral”.
Segundo o presidente, a instalação da Comissão contribuirá para facilitar o acesso a algumas documentações mais reservadas, como boletins oficiais e documentações do Exército. “Com base na Lei de Acesso à Informação, todas as comissões tentam vencer as resistências de alguns organismos públicos que ainda resguardam essas documentações. Esperamos que elas sejam publicizadas e principalmente que não sejam perdidas provocando lacunas na nossa história. Esse é um dos aspectos do trabalho da Comissão”.
Além de Josué Modesto dos Passos Subrinho, integram a Comissão: o jornalista, pesquisador e professor Gilfrancisco; o doutor em Sociologia, pesquisador sobre a Ditadura Militar no Brasil e professor da Faculdade Sergipana, Hélder Teixeira; o pesquisador, doutor em História e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), José Vieira da Cruz ; a pesquisadora em Direitos Humanos, doutora em Sociologia e professora da UFS, Andréa Depieri; a doutora e professora do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (Unit), Gabriela Rebouças e o doutorando em Ciências Sociais e professor de Direito da UFS, José Afonso do Nascimento. O ex-secretário de Direitos Humanos e coordenador de Direitos Humanos da Secretaria de Estado Mulher, da Inclusão e Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos Humanos (Seidh), professor Antônio Bittencourt, fará a interlocução entre a Comissão da Verdade e o Governo do Estado.
Para quem combateu diretamente a ditadura e sofreu as consequências do sistema, Sergipe dá um importante passo para contribuir com as memórias deste período sombrio, é o que conta o atual diretor da Fundação Renascer, Wellington Mangueira, que foi preso político no Regime Militar.
“Esse decreto é muito importante, porque resgata para os sergipanos e para os brasileiros uma história que muitas vezes foi mal contada. Essa comissão, formada por pessoas da mais alta capacidade intelectual, moral, ética, poderá buscar nos porões da ditadura, nos arquivos públicos, nos depoimentos das pessoas que sofreram as torturas que os militares impuseram a pessoas honradas simplesmente pelo direito de poder pensar, por querer a democracia, por lutar por um mundo mais justo, sofremos e muitos perderam até a vida. Essa comissão vem para mostrar para Sergipe e para o Brasil o que foi aquele período terrível da ditadura militar. A gente fica emocionado, porque lembra das torturas, do pau de arara, dos choque elétricos, da cadeira do dragão e é claro que,tudo isso nos remete a momento difícil da nossa vida”, recorda Mangueira.
O presidente da OAB/SE, Carlos Augusto Monteiro Nascimento, informou que a Comissão instalada oficialmente pelo Governo do Estado estimulará outras entidades a colaborarem para a lucidez das informações sobre esta época da história do Brasil. “O Conselho Federal [Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil] e algumas seccionais já têm a sua própria Comissão e a partir desta sinalização do Governo, naturalmente a Ordem se irmanará nesse projeto contribuindo no que for necessário e com certeza, também, estimulará a criação da nossa comissão no âmbito da nossa seccional. Há uma grande fonte de informações e nós poderemos nos unir, não só aqui em Sergipe, mas também com registros históricos com a seccional da Bahia e a seccional de outros estados que muito contribuirá para o resgate de toda a verdade”.
Homenagem
A comissão homenageia o militante e pesquisador das ações da Ditadura Militar no Estado de Sergipe, Paulo Barbosa de Araújo. Preso pela Ditadura, Paulo Barbosa era formado em Ciências Econômicas, foi professor de Economia, editor da Gazeta de Sergipe e articulista. Barbosa faleceu em 2000.
“Nós todos da família nos sentimos muito honrados por esta homenagem, pela indicação do nome do Paulo para a comissão da Verdade. É realmente uma homenagem pelo trabalho de jornalista, pesquisador, batalhador sempre voltado para as questões sociais. Ele tinha um ideal muito intenso em prol da liberdade, liberdade de expressão e liberdade da pessoa humana como um todo. Tenho certeza que esta comissão vai cumprir com os objetivos pelo qual ela foi instalada”, declarou a viúva de Paulo Barbosa, a senhora Osa Maria Machado de Araújo.
Fonte – Tribuna Hoje