Memórias da repressão 1964-1985

O primeiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandou o DOI [Destacamento de Operações Internas], em São Paulo de 1969 a 1974. O segundo, Marcus Antônio de Brito Fleury, capitão do Exército Brasileiro, chefiou o Departamento de Ordem Política e Social [Dops-GO], a Direção Regional da Polícia Federal e a seção regional do Serviço Nacional de Investigações. Os dois carregam cadáveres de desaparecidos políticos nas costas. Eles estão mortos. Não podem mais revelar onde estão os restos mortais de suas vítimas. Um capítulo trágico da Justiça de Tradição – da ditadura civil e militar no Brasil – para a democracia.

O DOI [Destacamento de Operações de Informações] ganhara um codinome dos seus agentes: ‘Casa da Vovó’. A instituição produziu, já em 1969, o primeiro desaparecido político do Brasil, Virgílio Gomes da Silva, operário. Ele foi o coordenador operacional da captura, não é sequestro como diz o historiador Daniel Aarão Reis Filho, do embaixador Charles Burke Elbrick De 1969 a 1991, quando acabou, o DOI-Codi prendeu 2.541 pessoas e alcançou 79 mortes. Mais: 914 pessoas teriam sido encaminhadas para o órgão oriundas de outras unidades do aparato de repressão do regime civil e militar. Destas, três morreram.

O jornalista Marcelo Godoy, repórter de O Estado de São Paulo, diz que, 400 das 876 denúncias de torturas e de violações dos direitos humanos catalogadas pelo Projeto Brasil Nunca Mais, organizada por Dom Paulo Evaristo Arns e reverendo Jaime Wright, publicada em forma de livro em 1985, contra o DOI do II Exército, em São Paulo, ocorreram de 1969 a 1974, sob o comando de Carlos Alberto Brilhante Ustra. – Codinome: Dr. Tibiriçá. O Brasil adotou a doutrina francesa de guerra contrarrevolucionária.

Apesar disso, “torturar ou executar inimigos quando é possível capturá-los são crimes também na guerra”.

– Não era assim que pensavam os cães de guarda da ditadura civil e militar.

O DOI-Codi teve três fases. Na primeira, sob o controle do major Waldyr Coelho (1969-1970), a decisão de matar tinha limi-tes. Com o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra (1970-1974), banaliza-se a morte, centros clandestinos de prisão – como boate e sítios – são criados, há encenação de tiroteios e atrope-lamentos, uso de informantes e desaparecimentos. “O desapa-recimento prolonga ao infinito o muro atrás do qual se mantém os presos. Ao privar a morte de lugar, ele priva os vivos do luto e da consolação, ato ou gesto que une pela última vez, os vivos e os mortos”, frisa Marcelo Godoy, autor de ‘A Casa da Vovó’.

Carlos Alberto Brilhante Ustra

 

– Carlos Alberto Brilhante Ustra morreu no último dia 15 de outubro. Ele tratava de um câncer e tinha problemas cardíacos.

Homem cruel

Marcus Antônio de Brito Fleury

 

 

Marcus Antônio de Brito Fleury aparece, em 1964, em denúncia de tortura a que foi submetido Hugo Brockes, ex-oficial de gabinete de Mauro Borges, governador de Estado deposto em 26 de novembro de 1964. Os suplícios foram registrados em cartório. Para a história. Ex-PC do B e ex-Ala Vermelha, o ex-preso político Tarzan de Castro o acusa de torturador. Secretário de Estado de Governo do então governador biônico Irapuan Costa Júnior, ele foi demitido do cargo após flagrante delito de instalação de escutas telefônicas no Palácio das Esmeraldas, sede do governo do Estado de Goiás, no ano turbulento de 1976.

O diretor regional da Polícia Federal, superintendente do Dops e chefe do SNI é apontado como o responsável pela prisão ilegal, tortura, morte, desaparecimento e ocultação de cadáver do estudante secundarista de apenas 15 anos de idade, Marcos Antônio Dias Batista. O garoto é o mais jovem desaparecido político do Brasil. Ele integrava a organização política de luta armada Var-Palmares [Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares], a mesma de Dilma Rousseff, nos anos de chumbo. A informação foi repassada pelo médico Laerte Chediack, irmão do delegado de polícia Ibrahim Chediack, a Maria de Campos Baptista, mãe do menino.

Capitão, Marcus Antônio de Brito Fleury aparece no inquérito de 1980 instaurado para investigar a morte e sumiço de ossadas dos estudantes de Filosofia, Maria Augusta Thomaz, e de Economia, Márcio Beck Machado, executados em 17 de maio de 1973, na Fazenda Rio Doce, de propriedade de Sebastião Cabral, em Rio Verde [GO]. O sequestro dos restos mortais ocorreu em 31 de julho de 1980. Os dois integravam a última célula em atividade do Movimento de Libertação Popular. O Molipo, como era chamado, era uma dissidência da Ação Libertadora Nacional, a ALN, fundada pelo carbonário baiano Carlos Marighella, morto em 1969. O agente da repressão morreu em março de 2012.

– Sem depor à Comissão da Verdade.

 

O que foi a ditadura civil e militar no Brasil

Em primeiro de abril do ano de 1964 fardados e civis derrubaram o presidente da República, João Belchior Goulart, e implantam uma ditadura. À sombra da guerra fria, a estratégia era desagregar o bloco-histórico populista e levar os interesses multinacionais e associados à direção do Estado.

As tropas de Olímpio Mourão Filho desceram a serra sem um só tiro ou protesto e chegam no dia 2. Jango teria voado com o general Assis Brasil à Fazenda Rancho Grande, em São Borja. Maria Thereza e filhos foram para o Uruguai. O deposto sai de São Borja em 4 de abril. É o que conta Jair Krischke [RS], presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

– Em seu próprio avião e aterrissa em Durazno.

O primeiro general-presidente a entrar em cena em Brasília [DF] foi Humberto Castello Branco. Ele queria um ato institucional que durasse apenas três meses. “Assinou três”. Queria que as cassações se limitassem a uma ou duas dezenas: cassou quinhentas pessoas e demitiu duas mil pessoas.

O seu governo durou nada mais, nada menos do que 32 meses, 23 dos quais sob a vigência de 37 atos complementares. O marechal Humberto Castello Branco foi o cérebro do golpe de 1964. Ele era o líder da Sorbonne militar, composta, por exemplo, de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva.

Para o brasilianista Thomas Skidmore, o movimento civil e militar de 1964 ocorreu com dez anos de atraso e nunca atingiu o seu objetivo estratégico: desmantelar a estrutura estatal e sindical corporativista montada por Getúlio Vargas, que suicidara-se em agosto do ano de 1954, no Palácio do Catete.

“O golpe ia ser dado em 1954, mas falhou por causa do suicídio de Getúlio Vargas”, aponta o autor. Não foi uma quartelada, mas uma ação de classe traçada tática e estrategicamente pelas elites orgânicas do capital transnacional, analisa o cientista político René Armand Dreiffus

– Ipes, Ibad e ESG consideravam o Estado como instrumento de um novo arranjo político e de um “novo modelo de acumulação”.

História: as articulações contra João Goulart começaram antes de sua posse, em agosto de 1961. Mais: se intensificaram a partir do plebiscito que decretou a volta do presidencialismo, em janeiro de 1963, e tomaram as ruas após o anúncio das reformas de base, em março do trágico 1964.

Sucessor de Humberto Castello Branco, Arthur da Costa e Silva decreta o Ato Institucional nº 5 em 13 de dezembro de 1968. Vice, o civil Pedro Aleixo foi impedido de assumir o Palácio do Planalto. Depois de um breve exercício da Junta Militar, Emílio Garrastazu Médici chegou ao poder.

Em 1977, Ernesto Geisel, que havia executado a partir de 1974 a distensão lenta, gradual e segura, baixa o Pacote de Abril. João Baptista de Oliveira Figueiredo é abençoado pela caserna no ano de 1978 e o Congresso Nacional aprova a Lei da Anistia, em agosto do ano de 1979.

Os exilados retornaram ao Brasil e os presos políticos deixam os cárceres. A ditadura acabou em 15 de março de 1985. Já Mas o historiador Daniel Aarão Reis diz que a ditadura acaba, de fato, em 1979. Para ele, de 1979 a 1988 há, no Brasil, um período de transição. De um Estado de Direito Autoritário a um Democrático. O escritor Carlos Fico discorda dessa versão.

A democracia no Brasil, depois dos anos de ditadura civil e militar, só se consolida e se institucionaliza, com a remoção do legado constitucional autoritário e a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, sob a Nova República, abençoada pelo senhor Diretas Já Ulysses Guimarães. (Renato Dias)

 

A ditadura em Números

64 Ano do golpe de Estado no Brasil.

15Número de mortos e desaparecidos no Estado de Goiás.

479 Número de vítimas no Brasil pós-64.

2.000 Número de índios mortos na ditadura.

 

 

Fonte – DM

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