Políticas públicas e cruzamento de dados podem facilitar localização e evitar sepultamento como indigente. Prefeitura vai lançar cartilha. Caso de Perus foi visto como ponto de partida
A Comissão da Memória e Verdade (CMV) da Prefeitura de São Paulo, que entregará seu relatório final em dezembro, provavelmente no dia 15, tem como recomendação número 1, entre as 35 do texto preliminar, a continuação dos trabalhos relativos à identificação das ossadas da vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus. Mas também trará várias recomendações relativas a uma nova gestão do Serviço Funerário do Município (SFM), envolvendo também o governo do estado.
A administração municipal também prepara uma cartilha com informações sobre procedimentos legais a serem adotados em caso de desaparecimento, lembrou o secretário de Direitos Humanos e Cidadania, Felipe de Paula. O documento está sendo elaborado em parceria com o governo estadual, Serviço Funerário e Ministério Público.
No relatório, a CMV faz menção a uma “demanda recorrente”, que é a interligação entre as delegacias da Polícia Civil, Institutos Médicos Legais (IMLs), Serviço de Verificação de Óbito da Captial (Svoc) e registros de desaparecimentos, “de modo a consolidar um sistema estadual efetivamente integrado de desaparecidos”.”A família faz um boletim de desaparecimento na Secretaria da Segurança Pública. O IML e o SVO, também”, diz a ex-vereadora Tereza Lajolo, integrante da comissão, acrescentando que esses boletins “não conversam um com o outro”.
A CMV afirma que o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Vala de Perus, relatado por Tereza Lajolo e divulgado pela Câmara Municipal em 1992, foi pioneiro ao apontar a “desorganização histórica” do SFM como fator que contribuiu para a ocultação de vítimas de intervenção policial e desaparecidos políticos. “Corpos qualificados como ‘desconhecidos’ (sem identificação) ou como ‘não reclamados’ (quando as famílias não se prontificam a buscar o corpo, em geral por não saber de sua morte) são tradicionalmente enterrados nas quadras gerais, mesmo destino dos indigentes (cidadãos desprovidos de recursos para o próprio sustento). Esse sistema permitiu aos órgãos de repressão da ditadura utilizar a estrutura do IML para garantir o sepultamento clandestino de suas vítimas”, afirma o colegiado.
No documento, a comissão da prefeitura afirma ainda que, mesmo não sendo possível falar, atualmente, em dolo ou arbítrio, “é notório que a desorganização dos registros ainda contribua para o chamado ‘desaparecimento burocrático’ de corpos e restos mortais, desaparecimento este que se dá por via administrativa: o corpo pode estar ali, mas torna-se impossível encontrá-lo”.
Os cinco integrantes da comissão também recomendam insistir com o governo paulista para a criação de um banco de pessoas desaparecidas, previsto pela Lei estadual 15.292, de 2014. “Ainda que o IML pertença à mesma Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo responsável por registrar boletins de ocorrência de desaparecimentos, cidadãos procurados pelas famílias são enterrados como não reclamados por falta do cruzamento de informações. O mesmo acontece no SVOC, vinculado à Universidade de São Paulo”, diz outro trecho do relatório. “Se ninguém reclama o corpo em 72 horas, eles mandam enterrar como indigente”, observa Tereza.
Desde o final de 2013 existe, por iniciativa do Ministério Público paulista, o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid), coordenado pela promotora Eliana Vendramini e que tem uma base de dados com informações de São Paulo e outros estados. O SFM passou a publicar, em maio de 2014, informações de declarações de óbito feitas pelo IML e pelo Svoc, enquanto a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social começou a cruzar informações de listas de desaparecidos com dados de cadastro em albergues e Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Na Secretaria da Saúde, já existia desde 1989 programa para orientar médicos a preencher declarações de óbito. “Todas essas iniciativas, se fortalecidas e integradas, poderão colaborar sobremaneira na localização e identificação de pessoas desaparecidas”, aponta o relatório da Comissão Memória e Verdade.
Tereza Lajolo disse temer pela interrupção do trabalho na próxima gestão municipal, a partir de 2017, com a possibilidade de privatização de cemitérios. “Aí, teremos muito mais problemas”, afirmou.
Fonte – Rede Brasil Atual