O SR. PRESIDENTE (Roberto de Lucena) – Concedo a palavra à ilustre Deputada do meu Estado, Luiza Erundina.
A SRA. LUIZA ERUNDINA (Bloco/PSB-SP. Sem revisão da oradora) – Sr. Presidente, colegas Parlamentares, telespectadores, o Brasil está desafiado agora, neste momento, por dois crimes: um crime confessado e um crime anunciado.O crime confessado é o depoimento estarrecedor de um homem ainda pouco conhecido da repressão brasileira: Cláudio Antônio Guerra, um ex-delegado do DOPS do Espírito Santo que acaba de contar sua história de terror no livro Memórias de Uma Guerra Suja, que foi publicado este mês, resultado de dois anos de meticulosa investigação de dois experientes repórteres brasileiros, Rogério Medeiros e Marcelo Netto.
O espantoso relato do ex-delegado Guerra lança luzes sobre episódios ainda nebulosos do regime militar brasileiro, pela primeira vez reconhecidos, assumidos e detalhados por um destacado membro do aparato repressivo do regime instituído em 1964. Como testemunha ocular e participante ativo, o ex-delegado de 71 anos, hoje em crise de consciência e convertido como pregador de uma igreja evangélica, já esteve preso e condenado por dezenas de crimes comuns, pelos quais cumpriu pena. Mas são os crimes incomuns da ditadura, até hoje não esclarecidos, que permitem iluminar os porões de nossa história recente.
O ex-delegado Guerra desfaz, com sua memória prodigiosa, mitos e lendas dos anos de chumbo da repressão. Entre outros temas, conta como foi decidida a morte do delegado Sérgio Fleury, estrela maior da ditadura em São Paulo, num encontro com militares em São Paulo. Dá detalhes inéditos do atentado do Riocentro, descreve o assassinato do jornalista Alexandre Von Baumgarten, relata atentados contra o jornal O Estado de S.Paulo e o jornalista Roberto Marinho e descreve o plano para matar Leonel Brizola e incriminar a Igreja Católica. E, pela primeira vez, fala sobre o destino final de militantes de esquerda que ainda hoje integram a lista de desaparecidos políticos do País. Guerra fala sobre como morreram e como mataram David Capistrano, Ana Kucinski, Luiz Maranhão, Joaquim Pires Cerveira, entre outros ilustres nomes de oposição ao regime, incinerados em forno de uma usina de açúcar em Campos, no interior fluminense.
O ex-delegado Guerra não apenas viu, participou, atuou, foi agente ativo nestes atentados e assassinatos que hoje remoem sua consciência e que agora chocam a consciência nacional.
O livro já foi entregue e já foi lido, em primeira mão, pela Presidente Dilma Rousseff, pelo Ministro da Justiça e pelos Comandantes das Forças Armadas. Escoltado por agentes da Polícia Federal que hoje garantem sua segurança, o ex-delegado Guerra acabou de percorrer os locais desconhecidos que indica como centros de tortura, execução e desaparecimento de presos políticos.
Firme e decidido em sua denúncia, o ex-delegado Guerra está pedindo para ser acareado com o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, com o Coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva e com o Delegado da Polícia Civil paulista Aparecido Laerte Calandra, três sobreviventes do tribunal informal que decretou a queima de arquivo do Delegado Fleury.
Guerra quer uma acareação com todos aqueles a quem acusa pelo envolvimento em mortes e desaparecimentos ainda hoje não esclarecidos. Guerra quer mais. Quer depor agora, imediatamente, perante a Comissão Memória, Verdade e Justiça, já instalada pela Câmara dos Deputados, e quer contar o que sabe perante a Comissão Nacional da Verdade, assim que for nomeada e instalada pela Presidente Dilma Rousseff.
O bom exemplo testemunhal do ex-delegado do DOPS capixaba pode ser o primeiro de vários depoimentos que ajudarão o País a se reencontrar com sua história, com a verdade, com a justiça.
Não podemos permitir que, ao crime confessado, se siga o crime anunciado — a ameaça de que uma operação limpeza dos criminosos elimine provas, intimide testemunhas e viole os locais e sítios onde os crimes foram praticados. Devemos zelar pela integridade física do ex-delegado e, com ele, compartilhar seu terrível passado, que é o passado terrível que viveu o Brasil e os brasileiros sob o regime militar.
Pela devida proteção a este gesto de arrependimento e coragem, outros tantos que tanto sabem e nada dizem terão motivos também para vir à luz e fazer este reencontro com suas consciências e com o Brasil.
Precisamos ser rápidos, ágeis, eficazes.
Precisamos proteger os nomes das vítimas, seus parentes e eventuais testemunhas que o ex-delegado Guerra aponta em seu livro.
Precisamos preservar e isolar os locais, os centros de tortura e execução e os sítios de sepultamento clandestino que o ex-delegado Guerra aponta com riqueza de detalhes e absoluta segurança.
Faço, desta tribuna, um apelo urgente, incondicional, dramático à Presidente Dilma Rousseff, à Ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário, ao Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, ao Ministério Público e à OAB para que tomem medidas enérgicas e imediatas para a devida proteção e preservação deste acervo inestimável de pessoas, lugares e evidências que nos ajudam a conhecer melhor o que foi o regime de arbítrio no Brasil.
Presidente Dilma, a senhora sabe disso melhor do que ninguém!
Precisamos proteger nosso passado, para proteger ainda mais nosso futuro. Conhecendo melhor a ditadura de ontem, saberemos reconhecer ainda mais a democracia que hoje se constrói com tanta esperança e determinação.
Muito obrigada, Sr. Presidente, pela tolerância.