O caso Rubens Paiva: uma reportagem multiplataforma

Voltar 41 anos atrás e investigar um dos mais emblemáticos dramas do período da ditadura militar brasileira. Lidar com o caso de Rubens Paiva, ex-deputado que desapareceu no início da década de 1970 após ser preso por agentes do governo, seria mergulhar em um tema delicado e crucial para o país. A história foi o fio condutor para que os jornalistas Miriam Leitão e Cláudio Renato trouxessem à tona os crimes que começariam a ser investigados pela Comissão da Verdade, instaurada pela presidente Dilma Rousseff em março deste ano. O resultado desse trabalho foi debatido com colegas de profissão e estudantes no último sábado durante o sétimo congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em São Paulo.

A reportagem “Uma história inacabada: o caso Rubens Paiva” deu origem a uma produção que extrapolou as telas da televisão e migrou para o jornal, o rádio, a web e o iPad, sempre com informações exclusivas. A apuração e pesquisa exaustivas levaram à reconstrução dos últimos momentos da vida do ex-deputado, com depoimentos, imagens e documentos inéditos.

A família de Rubens Paiva, assim como a de tantos outros brasileiros, não teve o direito de enterrar o seu corpo. Tudo o que sabia era que o político havia sido levado à sede do DOI-CODI, órgão da inteligência do governo militar no Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1971, e de lá nunca havia saído. Citado pelo deputado Ulysses Guimarães durante a promulgação da Constituição Federal de 1988, Rubens Paiva era um nome emblemático da luta contra a ditadura.

Entre os personagens que ajudaram a recontar esta história, Miram Leitão ressaltou, emocionada, a professora Cecília Viveiros de Castro. Hoje impossibilitada de falar devido a uma doença senil, ela deixou uma carta em que conta tudo o que viu e ouviu quando esteve presa na sede do DOI-CODI, no mesmo período que Paiva. Outro elemento importante para o destrinchamento desse caso foi o depoimento de Eliana Paiva, filha mais velha do político que decidiu contar pela primeira vez o que passou naquele mês de janeiro. Ela havia sido mantida em cárcere privado com a mãe e outros três irmãos durante dois dias, até ser levada à sede do DOI-CODI, onde seria abusivamente revistada e interrogada.

Os 53 minutos do programa de Miriam na Globonews não seriam suficientes para tornar públicas todas as informações contidas nas cerca de oito horas de entrevistas realizadas. Além da reportagem para a TV, a investigação levou a duas páginas de matérias e uma coluna no GLOBO, a um comentário na rede CBN de rádio, a especiais para o vespertino Globo a Mais e à publicação da transcrição de todos os depoimentos na internet.

— Fazer uma reportagem multiplataforma exige muita apuração. Nem sempre tudo o que você conseguiu cabe num programa de televisão. Às vezes, uma determinada informação precisa de mais contextualização. Por isso é preciso respeitar as características de cada veículo — disse Miriam.

A busca por personagens e imagens para a reportagem também não se limitou aos métodos mais tradicionais. Os jornalistas lembram que, graças ao Facebook, Cláudio conseguiu convencer Eliana Paiva a falar sobre o caso. Já um filme encontrado no site de compartilhamento de vídeos Vimeo ajudou a ilustrar parte do programa de TV.

— A internet pode ser uma grande aliada numa reportagem investigativa. Se o jornalista souber usá-la, pode chegar a informações ou contatos que não encontraria de outra maneira — afirmou Cláudio.

A reportagem, que foi ao ar em 2 de março, é a mais visualizada no site do canal Globonews, e estimulou outros jornalistas a buscarem informações sobre desaparecidos durante a ditadura militar. Para Miriam, reportagens como a sua serão recorrentes pelos próximos meses devido à instauração da Comissão da Verdade, e serão mais um estímulo para a sociedade refletir sobre o tema.

— Ainda que tarde, o Brasil está olhando para o seu passado. E estou convencida de que uma sociedade que enxerga um erro não o comete novamente — concluiu.

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