O Atentado da Rua Tonelero, 05 de agosto de 1954, contribui para a crise presidencial. O principal inimigo político de Vargas, Carlos Lacerda, estava voltando para casa quando foi surpreendido por um homem que apontou uma arma e atirou. Ele leva o seu filho até a garagem do prédio e tenta se esconder. O major Rubens Vaz, que fazia segurança de Lacerda, devido às ameaças que este último vinha recebendo, interfere, leva um tiro e morre. A imprensa começa a divulgar o atentado para todo o país. Ora, se temos vítimas, alguém deveria ser o culpado. Como Vargas era o inimigo de Lacerda, logo ele fica sendo o responsável por toda essa armação. Os militares ficam corroídos de raiva e vão apurar todo o crime.
No palácio do Catete, com uma arma apontada para o peito esquerdo, Vargas se lembra desse episódio e sabe que os militares querem o seu afastamento da presidência. Os seus representantes indicam que o afastamento temporário seria um recurso, um golpe, para que ele retorne a presidência mais tarde. Entretanto, Getúlio não pretende abrir mão do seu poder e resolve cometer o suicídio.
O dia amanhece com a notícia de que o presidente tinha se suicidado. A carta-testamento é divulgada nos jornais e lida nas rádios o tempo inteiro. Decreta-se luto nacional e os populares começam a ir às ruas prestar homenagens. Mulheres chorando, com vestidos pretos e com uma foto de Vargas, participam de passeatas e choram no cortejo fúnebre (25 de agosto de 1954). Alguns sobem em árvores para dá o último adeus à memória de Vargas. O caixão chega ao aeroporto Santos Dumont, com uma multidão tentando tocá-lo, e embarca até o Rio Grande do Sul, terra natal de Getúlio.
Nas ruas, o povo vai fazendo manifestações, quebra-quebra e até alguns morrem. Uma multidão foi até o estabelecimento do jornal “O Globo”, no Largo do Carioca, e um grupo invadiu o local e colocou fogo nos carros. O senhor Herbert Moses, que se encontrava na redação, pegou o telefone e chamou a polícia, pois temia que colocassem fogo no depósito de gasolina próximo ao jornal. Logo, chegaram quatro soldados da polícia do Exército e quatro choques da polícia Militar. Outro grupo se dirigiu até a “Rádio Globo” para fazer depredações.
Em Porto Alegre, a cidade amanhece agitada com as manifestações. O comércio fechou às nove horas da manhã. A multidão estava alvoroçada e invadia vários estabelecimentos: o “Jornal do Rio Grande” foi destruído e depois incendiado, que nem os bombeiros conseguiram controlar as chamas; o “Diário de Notícias” teve os seus móveis retirados e colocados em uma fogueira; a “Rádio Farroupilha” ardeu em chamas e, como os bombeiros já estavam cansados e fazendo patrulha em outros locais, ameaçava desabar em cima do viaduto Otávio Rocha.
Em Recife, a população parecia não acreditar que Getúlio Vargas tinha morrido. As atividades pararam, como a do Clube da Lanterna, e as pessoas começaram a sair às ruas. Para manter a paz e conter os ânimos exaltados dos manifestantes, foram convocadas as forças do ar, da terra e do mar. Em Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek falou emocionadamente sobre o suicídio de Vargas.
Populares paulistanos organizaram passeatas de protesto e conduziam faixas, com os dizeres: “Silêncio, o Brasil está de luto”, “Hoje, às 15 horas, reunião na Praça da Sé”, entre outros. O PTB (SP) fez um ronda pelas principais fábricas e chamou os operários para um comício de homenagem póstuma.
Mortes também vão ocorrer nos protestos, como, por exemplo, em Sergipe. O Diretório Municipal de Aracaju do PTB organizou, em uma terça-feira, uma passeata que contemplou os bairros operários da cidade. Depois disso, a passeata chegou ao seu lugar final, a Praça Fausto Cardoso, onde estava um palanque do partido. Os aparelhos do som do carro estavam sendo transferidos para o palanque, em que muitos oradores iriam discursar.
Começa o comício com várias personalidades e uma delas é Leônidas Dantas (54 anos). Ele é um getulista e, sendo assim, a população o chamou para prestar uma homenagem. Conhecido como Rei Mômo, ele foi até o local e fez o seu discurso. Quando terminou, no palco subiu uma pessoa chamada Lídio Paixão e decidiu falar sobre os acontecimentos recentes. Porém o seu discurso gerou uma insatisfação por parte dos ouvintes que decidiram expulsar ele de onde estava. A multidão começou com empurrões e pontapés, para depois formar um contingente de pessoas que o lincharam.
Ao seu lado estava João Ribeiro do Bonfim (36 anos) que ficou atônito ao ver o linchamento, mas não conseguiu ver os autores de tal barbaridade. Um guarda civil, Renato Augusto Martins (40 anos), viu de longe – na porta do Palácio do Governo, Praça Fausto Cardoso – uma multidão fazendo algazarra. Então, ele decidiu ir cumprir os deveres de um policial. Quando chega, deparou-se com Lídio Paixão agonizando. Ao ver o corpo estendido no chão, logo chamou o seu colega, guarda José Bispo dos Santos, e pediu a este que chamasse um carro para levar o ferido ao hospital. Depois de várias negações, aparece uma pessoa (nome não identificado) e leva de carro o ferido para o Hospital Cirurgia. Quando chegou nesse local, eles viram que o homem ainda estava vivo. Mas é obvio que não resistiu e morreu. Tudo isso aconteceu no dia 24 de agosto de 1954, às 11h30min.
Ver uma multidão linchando até a morte um opositor de Vargas, nos leva a ter certo repúdio. Mas, em 24/25 de agosto de 1954, não se aceitava oposição e crítica ao ex-presidente. A grande maioria dos seus inimigos tentou se esconder e esperar a turbulência passar. Como de praxe, após a morte de qualquer pessoa, todos visam elogiar e não ousam lembrar o lado ruim de alguém. A morte parece que esconde os nossos piores defeitos, e nos transforma em “bons homens”. Não se deve olhar o suicídio de Vargas com os olhos de hoje, pois não temos a sensação viva daquele momento, isto é, não estamos exasperados e nem chorando. A raiva, o choro, enfim, as emoções se foram, restando apenas os relatos de agosto de 1954.
O “pai dos pobres” se tornou um mito: fez tudo necessário para isso, como “usar” a imprensa, os trabalhadores, e cometer suicídio. “Ora, ele se matou pela população, como se fosse para salvar o Brasil de um mal” – poderiam (e pensaram) os manifestantes. Ele venceu na derrota, parafraseando o livro “Vitória na derrota, A morte de Getúlio Vargas”, de Ronaldo Conde Aguiar. Os militares que queriam o poder tiveram que esperar até o golpe de 1964. Getúlio pegou a sua cartola de mágico e tirou o que julgava mais propenso: uma arma que logo atirou em seu peito. É como ele tinha dito: “Só morto sairei do Catete!”.
O mito funcionou… Ele saiu aplaudido e venerado por várias pessoas. Ele soube construir uma imagem e, o mais difícil de tudo, mantê-la por vários anos. Porém, esse mito foi cessando aos poucos e, atualmente, encontra-se dividido. Os estudos, principalmente na área de História, percebem Vargas não como bonzinho, mas também como um articular, ditador e autoritário; em contrário, na mente das pessoas idosas, ele aparece ainda como um genuíno “pai dos pobres” e um homem que solidificou o salário mínimo.
E qual visão confiar? Em todas… Aqui não existe o bem e o mal separados, mas juntos. Getúlio Dorneles Vargas era assim… Um homem que se articulava entre os populares e as elites, entre os seus amigos e os seus inimigos (que inclusive chamava-os para fazer parte do seu governo), entre o bem e o mal.
Fonte – O Reporter