Jornalista Nilton Almeida lança, na ACI, livro sobre a trajetória de luta dos ferroviários cearenses
O trem da história pode até atrasar, mas não esquece dos seus passageiros. Numa narrativa sensível, mesclando a precisão dos fatos históricos com os relatos subjetivos da vida de cidadãos comuns, trabalhadores da Rede de Viação Cearense (RVC), Nilton Almeida, resgata no livro “Rebeldes pelos caminhos de ferro: Os ferroviários na cartografia de Fortaleza” a memória de um dos movimentos mais representativos, tanto em termos de organização, quanto de conscientização política para a história da organização sindical do Ceará.“O movimento está na gênese da formação do processo da luta dos trabalhadores no Ceará”, reitera o autor, jornalista e doutorando em História Moderna na Universidade de Nova Lisboa. Dessa maneira, à medida que crescia a presença dos ferroviários no Estado eram criados novos municípios, bairros e aglomerados urbanos.
Da Aldeota, passando pelo Centro, essas vilas operárias, a exemplo da Avenida Francisco Sá, se esparrama sobre a malha urbana de uma Fortaleza provinciana e que ainda não tinha o carro como principal objeto de consumo. O bairro Couto Fernandes é exemplo de um núcleo de trabalhadores ferroviários na periferia de Fortaleza. A base da categoria tinha cerca de 5 mil trabalhadores, que conseguiam mobilizar as massas em defesa da democracia, após o golpe militar de 1964.
Passado
Só que a luta do Sindicato dos Ferroviários começa bem antes, no início do século XX, com mobilizações e greves na Capital e no Interior. Em Fortaleza, as praças do Ferreira e José de Alencar foram palcos para a mobilização dos ferroviários, que mantinham identidade com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O lançamento acontece às 19h30, na Casa do Jornalista, Associação Cearense de Imprensa (ACI), e é fruto da dissertação de mestrado em História Social pela Universidade do Ceará (UFC), defendida em julho de 2009 pelo autor, contando com orientação da professora Adelaide Gonçalves.
Mais do que resgate histórico, é um reflexo da vida do autor, fazendo valer a tese de que toda pesquisa reflete a história de vida do pesquisador. “Diz muito sobre minha trajetória”, admite Nilton Almeida, que viveu toda a efervescência da luta pela redemocratização do País. “Me vejo no livro de várias maneiras”, conta, destacando o compromisso do historiador com o seu tempo.
Dividido em três capítulos, o livro traz importantes documentos sobre o período, além de mapas e tabelas, detalhes que incluem até o perfil dos ferroviários cearenses. Assim, prima pela riqueza de detalhes, baseados em fontes e documentos oficiais e depoimentos de familiares e sindicalistas. Embora o foco do livro esteja nos relatos dos personagens, alguns dramáticos, revela também um pouco de como foi a vida de Fortaleza quando os trilhos davam o tom à sua mobilidade, fazendo parte do imaginário de muita gente.
A força dos trabalhadores da Rede de Viação Cearense/ Rede Ferroviária Federal S/A (RVC/RFFSA) fez realmente história como mostra a pesquisa de Nilton Almeida. Por isso, evidenciar a presença e o papel que essas pessoas representaram para a memória de Fortaleza faz parte do compromisso da história e, consequentemente, da tarefa do historiador. Segundo o autor, a pesquisa tem como fonte principal os relatos de ferroviários, viúvas ou filhos que compareceram à sede da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, instituída pela Lei Nº 13.202, de 10 de janeiro de 2002.
Não foi por acaso o contato com o seu objeto de pesquisa, que acontece quando estava cursando as disciplinas como aluno especial, no mestrado de História Social, na UFC. Confessa que, inicialmente, o seu objeto de pesquisa seria outro. “Sempre demonstrei interesse em pesquisar sobre os cristãos novos ou judeus no Ceará”, diz, mas como tudo tem seu tempo, hoje, retoma o assunto no doutorado.
Enquanto amadurecia a ideia em relação aos judeus no Ceará, resolveu investigar o movimento dos ferroviários. Conta que entre os anos de 2003 a 2006, como representante da Secretaria do Governo do Estado do Ceará, integrou a Comissão de Anistia do Estado, tendo oportunidade de relatar vários processos.
Entretanto, um deles despertou a sua atenção. Trata-se do processo que ficou conhecido como “grupo dos ferroviários” ou “grupo de Crateús”, constituído de 16 presos políticos, cabendo ao pesquisador relatar o processo.
O objeto começa a ser desenhado aos olhos do pesquisador/relator, uma vez que era, no mínimo, complicado analisar a dor e o sofrimento dessas pessoas tendo como base uma lei, que estipulava indenizar as vítimas tendo como parâmetro o valor monetário, que variava entre R$ 5 mil a R$ 30 mil. À primeira vista, parecia uma questão bastante objetiva e prática.
O jornalista começou a perceber os elementos subjetivos, que deviam passar despercebidos aos olhos do relator. No entanto, o historiador entra em cena. Certamente, essas pessoas tinham muito mais a contar sobre os seus sofrimentos, angústias, estigmatiza-ções sofridas, além das perdas materiais. “Passei a olhar para os relatos e documentos com os olhos de historiador”, conta, destacando que “a proposição inicial para este estudo centrou-se na oportunidade de interpretar a história da repressão aos ferroviários cearenses com nos processos da Comissão Especial de Anistia”. O relator iniciante de historiador leu em torno de 800 páginas dos 24 processos que reuniam rica documentação. Durante a pesquisa constatou que, até hoje, algumas feridas não foram saradas.
Alguns personagens relatam suas histórias, como o mecânico José Elias Gonzaga, o “Catita”, bem como viúvas e filhos, outros não querem tocar no assunto. Como é este o caso de familiares do ferroviário José Nobre Parente, jovem que migrou de Quixeramobim para Fortaleza, entrando na RVC em 1946, ao completar 18 anos, aparece morto nas celas do 2º Distrito Policial, em 1966, após ter sido preso no local de trabalho. O assunto tem repercussão na imprensa nacional. Então, são essas nuances que marcam a subjetividade dos acontecimentos históricos os quais a lei pura e simples não consegue abarcar. Nilton Almeida destaca o trabalho realizado por Mário Albuquerque à frente da Associação 64/68 que muito contribuiu para a pesquisa.
LIVRO
Rebeldes pelos caminhos de ferro: os ferroviários na cartografia de Fortaleza
Nilton Almeida
Secult
2012, 250 páginas
R$ 30
Mais informações:
Lançamento do livro “Rebeldes pelos caminhos de ferro”, de Nilton Almeida. Às 19h30, na Casa do Jornalista, Associação Cearense de Imprensa (Rua Floriano Peixoto, 735, Centro). Contato: (85) 3226.6260