Regime militar montou dossiê contra Niemeyer

Telegrama de Luis Carlos Prestes e relatórios do SNI levaram à abertura de processo sigiloso contra o arquiteto em 1973

Niemeyer viveu no exílio entre 1965 e 1980, mas sempre teve passos vigiados

Um telegrama do líder comunista Luiz Carlos Prestes ao amigo Oscar Niemeyer, cumprimentando-o pela inauguração de Brasília, virou uma das provas da militância esquerdista do arquiteto encaminhada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) para que o Ministério da Justiça abrisse processo sigiloso em 1973, mostram documentos inéditos da época do regime militar.

No auge do governo do general Emílio Garrastazu Médici, em meio ao milagre brasileiro e quando ocorreu a maior parte dos casos de assassinato, desaparecimento e tortura de oposicionistas no Brasil na ditadura, Niemeyer, então com 60 anos, era alvo dos espiões do regime. Documentos relativos a essa vigilância do arquiteto, que morreu na última quarta-feira aos 104 anos, constam de dossiê guardado no Arquivo Nacional.

“Nesta data em que Brasília passa a ser a capital do País, envio-lhe em nome de todos os camaradas do nosso Partido nossas congratulações mais efusivas. Sua atividade criadora em Brasília merece nosso maior aplauso, é elevada expressão da capacidade de nosso povo e testemunho da contribuição dos comunistas ao progresso do Brasil. Nosso augúrio – que sabemos ser também o seu – é que Brasília venha a ser no menor prazo possível a capital de um Brasil próspero e feliz, completamente emancipado do jugo imperialista, numa grande e bela cidade, livre de favelas e miséria, capital de um Brasil livre, democrático e socialista. Com nossas saudações patrióticas extensivas a todos seus auxiliares, afetuosamente Luiz Carlos Prestes”, diz a mensagem.

O original do texto, segundo explica o próprio SNI, foi apreendido pouco depois do golpe de 1964 em meio a documentos recolhidos pela repressão no Rio de Janeiro e em São Paulo. Está assinado de próprio punho por Prestes, então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), legenda que no início dos anos 1960 gozava de status de semilegalidade. O papel também traz o endereço de Prestes na data de inauguração da nova capital: 21 de abril de 1961.

Além de amigo de Prestes, Niemeyer nunca escondeu sua condição de comunista militante, tendo sido amigo de juventude de vários integrantes do “Partidão”, que encontrava até quando estavam na clandestinidade.

A papelada contra o arquiteto foi envida ao Ministério da Justiça pelo então chefe do SNI, general Carlos Alberto de Fontoura. Foi reunida no Documento de Informações n.° 0017/16/AC/73, de 12 de março de 1973, produzida pela Agência Central do SNI, tendo como assunto “Oscar Niemeyer”. Nele, há informes da comunidade de informações sobre o arquiteto e cópias de entrevistas e reportagens a seu respeito na imprensa estrangeira, supostamente enviados por agentes brasileiros designados para postos no exterior.

Conforto capitalista. O PCB, havia muito, adotara a via pacífica para o socialismo. Mesmo assim, a caracterização adotada pela repressão em relação a Niemeyer era o de homem perigoso para o regime militar. Até a boa situação financeira do arquiteto era alvo de críticas dos arapongas da ditadura, mostra a documentação.

“Dia 02 Jan 71, às 19,30 horas, foi exibido, na televisão norueguesa, um filme falado em inglês, com elementos colhidos em BRASÍLIA, sobre a obra de OSCAR NIEMEYER, onde este, depois de referir-se em termos elogiosos ao ex-presidente JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA e ao engenheiro LUCIO COSTA, confirmou, ostensivamente, ser comunista. Pouco depois, o arquiteto aparece em sua casa de campo, ao lado de uma piscina, demonstrando, inadvertidamente, ser apreciador do conforto do regime capitalista. O filme televisado (sic), a par da propaganda pessoal do arquiteto, constituiu-se numa demonstração negativista da realidade brasileira, pela ênfase dada aos aspectos de pobreza e subdesenvolvimento focalizados (…).”, diz o informe. À época, o artista vivia exilado, depois de deixar o Brasil em 1965 – só voltaria após a anistia de 1979.

O dossiê inclui um trecho publicado na revista peruana Oiga em seu número 373, de 8 de maio de 1970, no qual Niemeyer deixou uma espécie de definição de si mesmo.

No texto de 42 anos atrás, o arquiteto afirma ser “homem comprometido politicamente” e declara: “Sou comunista, você o sabe, mas também sou brasileiro, e é por ser brasileiro que sou comunista”.

 

 

 

 

Fonte – O Estado de S.Paulo

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