O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que dirigiu o DOI-Codi em São Paulo, disse nesta sexta-feira à Comissão da Verdade que lutou contra o terrorismo e que, se não fosse sua luta, a ditadura do comunismo estaria imposta até hoje e ele teria ido para o paredão. Ustra fez uma declaração inicial e disse que não responderia perguntas, mas decidiu replicar algumas delas. Na sua fala inicial, Ustra diz que combateu mais de 40 organizações de esquerda, “entre elas quatro em que atuou a atual presidente da República”.
— Lutamos contra o terrorismo. Eles atacavam quartéis, roubavam armas, incendiavam rádio patrulhas e explodiram dezenas de bombas — disse Ustra. — Enfrentei várias organizações de esquerda, entre elas quatro nas quais a atual presidente da República atuou — disse.
Ustra disse também que foi um militar exemplar, que nunca assassinou ninguém ou torturou e que cumpriu ordens.
— Quem deveria estar sentado aqui é o Exército Brasileiro. Não eu. Nunca fui um assassino.
O militar lembrou que recebeu a mais alta condecoração do Exército, a Medalha do Pacificador. Também em depoimento nesta sexta-feira, o ex-servidor do DOI-Codi de São Paulo e ex-sargento Marival Chaves assegurou que Ustra, então capitão, comandava as torturas na repressão. Marival afirmou que Ustra era “senhor da vida e da morte”, escolhia quem iria viver ou morrer.
Vereador relata ter sido torturado por Ustra com choques
Mais cedo, o vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PSDB) contou na Comissão da Verdade que foi torturado pessoalmente por Ustra, em 1972, nas dependências do DOI-Codi, na capital paulista. Então estudante de Medicina, Natalini ficou dois meses preso. Ele contou que fazia poesias que tinham também como conteúdo temas ligados à democracia e à repressão. Ustra decidiu, então, torturá-lo da seguinte maneira, segundo ele:
— O Ustra mandou me despir, me colocou em pé numa poça d´água numa cela e com aqueles fios de choque pelo meu corpo. Chamou para testemunhar vários agentes e soldados e exigiu que eu declamasse minhas poesias. Durante horas, ele, com uma espécie de vara de marmelo na mão, me batia. Outros vinham e me davam telefone (tapa com as mãos nos ouvidos) e muito eletrochoque — disse Natalini, que se emocionou em alguns momentos em seu depoimento.
Depoimento de Ustra termina em bate-boca
A audiência de Ustra terminou em confusão e bate-boca na plateia. A discussão ocorreu no final da sessão, quando o presidente da comissão, Cláudio Fonteles, perguntou a Ustra se era verdade que torturou o vereador Gilberto Natalini no Doi-Codi e o obrigou, durante a tortura, a declamar poesias de sua autoria. Fonteles, então, aproveitando a presença de Natalini na plateia, perguntou a Ustra se aceitava uma acareção, o que ele negou.
— Não faço acareação com terrorista — respondeu Ustra, exaltado.
Neste momento, Natalini levantou na plateia e gritou que não era terrorista e disse que “o senhor que é bandido”, se dirigindo a Ustra. Em outra cadeira no público, um senhor saiu em defesa de Ustra e chamou Natalini de terrorista. Esse senhor que defendeu Ustra não quis se identificar. Ele estava acompanhado do general da reserva Rocha Paiva, um crítico da Comissão da Verdade. O senhor não respondeu se era militar, mas usava um broche com desenho de um canhão, e também um símbolo igual segurando a gravata.
Antes do depoimento de Ustra, Cláudio Fonteles disse que o depoimento do coronel seria uma oportunidade para que ele se defenda:
— Estamos dando a ele uma oportunidade de se defender, de contar o que sabe. Se ele se cala, está ensejada a presunção de culpa — disse Fonteles.
O conselheiro afirmou que a comissão deverá subsidiar o Ministério Público com informações em eventual recurso par derrubar decisão da Justiça que assegurou a Ustra seu silêncio.
— Qual a situação de Ustra hoje? É um anistiado. Ou seja, não corre risco de ser réu nem de ser condenado. E, por isso, não tem como se autoincriminar. Então não cabe seu silêncio em sua defesa. É o que vamos levar ao Ministério Púbico — disse Fonteles.
Fonte – O Globo