A verdade do que ocorreu durante a ditadura militar tem que ser plena e total. O estágio atual da nossa democracia não admite o “jeitinho brasileiro” para “absolver” aqueles que ativa ou passivamente participaram das barbáries executadas durante o regime militar.
Ao longo de muitos anos, a história narra e traz, à luz do conhecimento, atos bárbaros e covardes, ilícitos penais que não podem ser anistiados, pois são crimes contra a Humanidade e imprescritíveis.
No Brasil, a ditadura durou 21 anos, vitimando intelectuais, profissionais da imprensa, artistas, empresários, militantes políticos, sindicalistas, quilombolas, camponeses e indígenas.
Diferentemente dos nossos vizinhos, o Brasil, por meio de um parlamento dominado pela Arena (partido do regime militar), aprovou a Lei da Anistia e colocou no mesmo balaio torturadores e suas vítimas.
Não bastasse, com a Constituição cidadã a lentidão da abertura política continuou nos governos tucanos, por meio de conta-gotas como a Lei de Mortos e Desaparecidos, que é importante, mas não o suficiente para incomodar os agentes envolvidos em violações graves dos direitos humanos.
Nos governos petistas manteve-se a mesma lógica de abertura lenta e gradual, mas enfim avançaram o Plano de Direitos Humanos e a Comissão da Verdade. Apesar de limitada, a Comissão tem produzido resultados parciais reveladores dos horrores ocorridos durante a ditadura, descobertas suficientes para que se defenda a revisão da Lei da Anistia, ou uma nova interpretação desse dispositivo.
Deve-se ressaltar que a Lei da Anistia não é cláusula pétrea. Sua revisão, ou nova interpretação, não é vingança. É, na verdade, justiça aos atingidos e para as famílias das vítimas. É justiça para se alcançar a reconciliação nacional de fato e de direito. Não é olhar pelo retrovisor, é enxergar pelo parabrisa para que as atuais e futuras gerações não sejam vítimas da barbárie de ditaduras. Nem tenham de cruzar com novos Fleurys, Curiós e Ustras.
A revisão ou nova interpretação da Lei da Anistia será feita no marco da democracia brasileira e pelas instâncias de deliberação institucional. O Congresso devolveu simbolicamente os mandatos de todos os parlamentares vitimados pela ditadura.
Este mesmo Congresso anulou as cassações dos mandatos dos comunistas Marighella, Jorge Amado, Maurício Grabois, João Amazonas e Luiz Carlos Prestes – passos que podem avançar para aprovar o PL 573/2011, da deputada Luiza Erundina (PSB/SP).
A Comissão da Verdade tem o apoio de todos para cumprir a sua histórica missão. Com sua prorrogação até 2014, coincidente com o pleito eleitoral, sonhamos que a cidadania brasileira se expresse, elegendo um Congresso capaz de fazer avançar a agenda dos direitos humanos, inclusive quanto à adequação da Lei da Anistia, para que possamos acelerar esta já longa transição política e consolidar a democracia no país.
Fonte – Em Tempo