Entre os anos de 1964 e 1974, período da Ditadura Militar, até 2013, muita coisa mudou. O mundo passou por transformações políticas sociais e econômicas; a ciência fez descobertas inacreditáveis; a tecnologia evoluiu com o advento do celular e internet e o sonho do brasileiro pela conquista plena da liberdade e da democracia deu passos importantes. Entretanto, entre o passado e o presente, uma imensa lacuna permanece aberta.
O abismo ainda é profundo as novas gerações desconhecem os horrores de um período em que a liberdade do brasileiro era cerceada. Torturas, mortes e medo marcaram a época. Os abusos, atrocidades, torturas e mortes ocorridos no período da Ditadura Militar ainda estão obscuros. Para esclarecer essas violações do período mais difícil da história do Brasil é que Comissões da Verdade têm sido instadas em todo o Brasil. Na Paraíba, a Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba, tem feito um mergulho na história, resgatando elementos escondidos pelo regime ditatorial.
Recentemente a Comissão esteve no município de Sapé para coletar depoimentos de trabalhadores rurais, familiares e lideranças que integraram as Ligas Camponesas. Na década de 1960, o movimento organizado por camponeses, que reivindicava reforma agrária, foi alvo da repressão da ditadura militar. Em seu depoimento a presidente da Liga Camponesa de Sapé e viúva do líder assassinado João Pedro Teixeira, emocionou a todos. “Depois de tanto tempo me sinto muito feliz por, de certa forma, fazer justiça a tudo o que aconteceu naquela época. O que os grandes proprietários de terras e donos de engenho fizeram com meu marido não pode ficar impune”, destacou a viúva.
Outro depoimento marcante foi o do presidente da Liga Camponesa de Santa Rita, Antônio Dantas. Ele lembrou o exílio de 60 dias em Cuba, sendo capturado novamente ao voltar para o Brasil. “Fui perseguido e esse tempo que passei fora foi o suficiente para que a polícia da época invadisse o cartório de Santa Rita, onde fundei a Liga, para levar e sumir com toda a documentação. Mesmo assim, avisei aos meus companheiros que se caso eu não voltasse deveriam continuar o trabalho. Me sinto feliz e orgulhoso do meu passado. Se eu fosse jovem hoje iria continuar fazendo revolução como os jovens de hoje passaram a fazer nas ruas”, comentou Dantas.
O presidente da Comissão, professor Paulo Giovani Nunes, avaliou a realização das audiências como sendo positiva para os trabalhos desenvolvidos na Paraíba. “Todos os depoimentos prestados hoje, bem como a documentação que já coletamos, serão utilizados para compor nosso relatório final. Os trabalhos estão avançando e contamos com a colaboração de vários grupos de trabalho compostos por estudantes, pesquisadores e outros que de maneira voluntária têm auxiliado nossas atividades”, destacou.
Para a coordenadora do grupo de trabalho Graves Violações de Direitos Humanos no Campo ou Contra indígenas e membro da Comissão Nacional da Verdade, Maria Rita Kehl, a audiência contribuiu para os trabalhos desenvolvidos nacionalmente. “Foi uma audiência importante e de muito valor simbólico. Já tínhamos muita informação sobre as vítimas, mas o que eu possuía particularmente da Paraíba estava no livro dos mortos e desaparecidos. Agora espero receber todo esse material como vamos fazer com outros estados brasileiros durante nossas visitas”, disse.
Universidades também instalam Comissões da Verdade
A busca por respostas para as atrocidades ocorridas no período da Ditadura Militar motivou as principais universidades públicas da Paraíba a instalarem as suas Comissões da Verdade. Na última sexta-feira, a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), instalou oficialmente a sua Comissão da Verdade e da Preservação da Memória. A solenidade foi presidida pelo reitor Rangel Junior, que assinou a Portaria de criação da comissão.
Presidida pelo professor José Benjamim, a Comissão terá o prazo de um ano para realizar os seus trabalhos, dando a sua contribuição para esclarecer os casos de abusos praticados contra estudantes, professores e funcionários da UEPB no período da Ditadura. A comissão permitirá o acesso às informações para os fins de consecução dos trabalhos e transparência de conhecimentos, tanto para fins de investigação e reparação, quanto para capacitação recíproca de agentes de Estado e da sociedade civil.
A comissão tem, ainda, como membros os professores Edmundo de Oliveira Gaudêncio, e Gilbergues Santos Soares; o técnico administrativo da UEPB, Luan da Costa Medeiros e o estudante do curso de Direito, Camilo de Lélis Diniz de Farias. Duas novas portarias serão publicadas para contemplar as mulheres nos trabalhos.
O reitor Rangel Junior observou que a escolha dos nomes para compor a Comissão teve critérios e levou em conta, entre outros aspectos, a história e o comprometimento dos professores e do estudante com a busca da verdade. Ele disse que não é fácil escavar a história e trazer à tona episódios deprimentes envolvendo pessoas que foram castigadas e torturadas pelo regime ditatorial. “No entanto, as novas gerações precisam reencontrar essa história e lutar para que esse período não volte mais”, frisou.
O reitor lembrou que na UEPB muitos estudantes e professores foram vítimas dos abusos praticados pelos militares. “No caso da UEPB, ainda na época da URNe, muitos estudantes foram vítimas de atos arbitrários e queremos revirar os arquivos e resgatar esses fatos”, destacou Rangel Junior. A ideia é contribuir com informações para o trabalho da Comissão Estadual e a Comissão Nacional da Verdade.
Presidente da Comissão, o professor Benjamim fez um relato histórico. Também lembrou que muitos professores e estudantes da UEPB foram perseguidos e citou como exemplo o então presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), José Filho, que teve sua vida cerceada pelos militares. “Vamos fazer um elo entre o passado e o presente, atualizando dados para as novas gerações”, disse. Voltando no tempo, Benjamim citou como exemplo a intervenção feita pelos militarem em Campina Grande e que desencadeou uma das grandes crises financeiras da UEPB, só superadas anos depois, com a Estadualização. “A ditadura sangrou a então URNe, levando a Instituição a atravessar uma crise histórica. Foi uma perseguição feroz”, definiu.
O chefe de Gabinete do governador, Waldir Porfírio, mostrou a importância dos trabalhos que os membros da Comissão terão nos próximos 12 meses. Como membro da comissão estadual, Waldir citou alguns episódios envolvendo professores e estudantes da UEPB na época do regime. Ele se dispôs a contribuir com a Comissão fornecendo, inclusive, o seu arquivo pessoal para estudo dos membros.
O presidente da Comissão Estadual, Paulo Giovani Antônio Nunes, destacou a importância dos trabalhos das comissões para esclarecer as violações do regime e também se dispôs a contribuir com os membros da comissão, fornecendo documentos e relatórios de pessoas torturadas pelo regime. Por sua vez, o professor da UFCG, Fábio Freitas, fez um discurso efusivo e disse que as comissões surgiram para fazer justiça à história, começando pelas lutas memoráveis que resultaram na Lei da Anistia.
UFCG tira nome de ditador do seu auditório
Os últimos resquícios da ditadura não existem mais na Universidade Federal de Campina Grande. No momento histórico vivido pelo País, em que a sociedade sai às ruas reivindicando mudanças, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) revela o outro lado de uma página de sua história, relegada ao esquecimento pelas feridas de um período de repressão e perseguições.No dia 10 de maio de 2013 o Colegiado Pleno do Conselho Superior da instituição aprovou, por unanimidade de votos de seus membros, a mudança do nome do principal auditório da instituição, localizado no campus central. O nome do ex-reitor Guillardo Martins Alves, substituído, e apagada da instituição. A partir de agora, o auditório se chama “Auditório João Roberto Borges de Souza.
Guillardo Martins, à época capitão do Exército, foi nomeado interventor na UFPB com a destituição do reitor Mário Moacyr Porto, em 1964. Durante o seu reitorado, segundo o conselheiro Luciano Mendonça, autor da proposta de mudança, a instituição viveu “uma das páginas mais tristes e sinistras de sua história, com a instalação de um verdadeiro clima de terrorismo”. Em 1969, o estudante de Medicina João Roberto Borges foi impedido de continuar sua formação acadêmica, em represália à sua militância nos movimentos estudantis. Em outubro daquele ano, seu corpo foi encontrado em um açude do município de Catolé do Rocha, no Sertão paraibano, e sua morte atribuída aos órgãos de repressão.
“O martírio de João Roberto Borges de Souza, e de muitos de seus companheiros de militância e geração, não foi em vão, pois seu exemplo contribuiu para manter a chama acessa da resistência contra o Regime Militar”, ressaltou Luciano Mendonça. A deputada Jô Moraes, que foi namorada do homenageado, disse que aos poucos o Brasil está passando a sua história a limpo, permitindo as novas gerações conhecerem os horrores de um dos períodos mais difíceis da história do país. “Essas comissões são importantes para esclarecer as violações do período da ditadura” comentou.
Ela observa que o próprio clamor das ruas mostra o desejo do Brasileiro em ver dias melhores, com os direitos e deveres previstos na Constituição Federal respeitados longe de todo tipo de opressão. O reitor da UFCG Edilson Amorim disse que a instituição fez justiça a sua história. Na próxima semana Edilson Amorim também vai instalar a Comissão da Verdade da UFCG.
Fonte – PBAgora