“ JUSTIÇA, REVANCHE, VINGANÇA. “ Raul Ellwanger.
“A justa vingança ou a justiça injusta ?”
1 – FICÇÕES NO BRASIL DE 2012.
Durante o regime militar, o Coronel Brusca participou de modo ativo durante vários anos da tarefa de dizimar opositores ao regime militar, martirizando dezenas de famílias de pessoas que resistiam à tirania e mesmo outras alheias a isso.
Em 2012, um delegado não identificado e 6 policiais invadem a casa do Coronel Brusta, sem qualquer ordem judicial, ameaçam e aterrorizam sua esposa, filhos, netinhas; o algemam, botam num camburão, dão coronhadas no seu peito, cusparadas, telefones, chutes, berros. Chegados numa casa incógnita, o penduram no pau-de-arara, simulam afogamentos, com cabos conectados entre o anus e a mucosa nasal descarregam corrente elétrica. O torturado não tem nenhuma possibilidade de defesa, sua detenção é clandestina, seu sequestro não existe na vida real ou legal. Incrementam a sevicia física com a psicológica, empalando a vítima entre risadas, e decepam seus dedos. O martírio dura 48 horas seguidas, sem água ou comida, quando o Coronel expira devido aos suplícios. A mesma equipe produz o desaparecimento do corpo.
Desde o primeiro momento, seus failiares buscam a Delegacia, o Ministério Público, um Habeas-Corpus judicial através de advogados. A resposta é sempre a mesma: não está preso sob a custodia do Estado Brasileiro. Tornou-se um desaparecido, talvez eterno. Não é nem mesmo um detido-desaparecido.
Na evidencia de que o coronel durante o regime de exceção pós-64 ordenou/praticou/acobertou uma ou varias vezes crimes de seqüestro/tortura/morte/desaparecimento forçado , estamos diante de um legitimo caso de “revanchismo”. Os vitimários estão aplicando uma vingança ao torturador, a mesma punição justa e equivalente àquela que ele aplicou antes , na mesma medida e qualidade. No caso de reincidência, a vindita se repetirá uma vez a cada caso.
Por mais que seja este o nosso instinto genético, não está feita a justiça. Para a violência ilegal inicial se opôs outra violência, igualmente ilegal, imoral e desumana. A igualdade extra-legal das penas afasta a verdadeira justiça, sua isonomia parece justa, mas é apenas revanche, vingança, vindita. Praticou-se a “vendetta” mafiosa baseada numa relação de forças brutas, sem ordenamento jurídico que diga o que constitui um crime, qual será sua punição, quais os ritos garantidores do processo.
A transparência justa da pena igualitária velou a Justiça.
2 – ARGENTINA SEM FICÇÕES EM 2012.
Os senhores Vitela, Trazero, Mignone e dezenas de militares das 4 armas desde general a soldado, e também policiais, padres, funcionários públicos, carcereiros, civis, juízes, advogados, delatores, médicos são levados à Justiça na Argentina.
Seguindo todos os procedimentos legais, em acordo com a Constituição e as Convenções Internacionais e leis processuais, com a mais ampla defesa e publicidade, cuidados em sua saúde vetusta, sem qualquer apremio psicológico, respeitados como cidadãos, bem vestidos e transportados, acumulando décadas de ocultamento organizado de provas e ameaças a testemunhas, contando com suas “torcidas” barulhentas, proferindo inclusive ameaças para o futuro, usando de todos os recursos dilatórios, vão sendo condenados a penas variáves, desde poucos anos até somatórias de perpétuas. Recorrendo, não têm êxito.
Estão condenados pela justiça democrática, republicana, legal, de modo público e mediático. Foram condenados por uma ampla gama de crimes, pelo delito genérico de serem “repressores”, e pagarão suas penas normalmente por crimes comuns e de lesa-humanidade. Não houve nenhum resquício de revanche, de vingança, de violência ilegal. Os atormentadores tiveram todas as garantias do Estado de Direito. Na forma da lei, foram condenados: veredito legal, moral, humano.
A pena que recebem não guarda nenhuma comparação ou comensuração com os crimes que praticaram. É infinitamente menor, é mais branda, tem origem prevista, é menos traumática, é menos socializada, é humanitária, teve ampla defesa. Não passa de um safanão, se comparada com um só dos choques elétricos.
Apareceu o véu da Justiça, mesmo na desigual justiça.
3 – OUSAR VENCER A LUTA PELAS PALAVRAS.
“Ao nomear o familiar de um seqüestrado(a) / detido-desaparecido(a) / torturado(a) / assasinado(a) como “revanchista”, estamos caluniando, acusando e vitimizando por segunda vez quem já foi e segue sendo punido dia a dia, seja o detido-desaparecido e/ou seu familar.”
No Dicionário Houaiss, temos como sinonimo de revanche as palavras “desforra” e “vingança”, entre outras. Também “represália, desafronta”. O mesmo que “tornar a disputar a prova”. A mesma prova.
No Petit Larousse, temos “revanche” como “rendre la pareille”, que seria como “entregar, devolver o mesmo”. Do latim “revindicare”, seu étimo vem de “revinger” (revingar) igual a “desejo de vingança”. Foneticamente o frances “revAnge(r)” conduz a “revanche”.
Já “en revanche” podemos traduzir por “em compensação”. “Compensar” no Houaiss significa ”restabelecer o equilíbrio”, os pratos iguais da balança.
Do latim “vindic” , é a “vindita” a “reparação de uma ofensa em que o ofendido retruca ao seu ofensor com uma ação ou omissão que lhe traga igual dano”. Conforme Houaiss, o mesmo que “desagravo”, eliminar o agravo.
Em Pedro M. de Olive e Juan Penalver, “vindicación” é “dar a cada uno lo que es suyo” . O mesmo que “justa venganza o satisfación que se toma de algún agravio”.
A demanda da sociedade por justiça não se enquadra em nenhum dos termos estudados.
Justiça não oferece nem dá a revanche. Revanche não cria nem é justiça.
Os criminosos impunes livram uma tenaz e sutil luta no campo das idéias para escapar da justa justiça.
Começam por vencer a disputa das idéias pela via do engano das palavras.
Atribuem a quem pede justiça pública, os mesmos atos injustos seus que ocultam.
Mentem ao chamar de revanche o que é justiça.
Falsificam o caráter das partes opostas ao igualar os desiguais.
Caluniam a vitima punida ilegalmente ao assemelhá-la ao seviciador ainda “legalmente” impune.
Vencer a disputa pelas idéias e palavras claras ajuda à Justiça.
Mario Villani, sobrevivente de campo de extermínio ESMA na Argentina na década de 1970.
“Todavía hoy tengo que pelear contra una parte de mí que se pasa de rosca pensando “a estos hijos de puta los quiero reventar” porque en ese caso yo no me diferencio de ellos. Yo no soy como ellos y eso lo tengo que defender a muerte.”