Para Rosa Cardoso, há elementos que permitem nova convocação; vítimas devem ser ouvidas antes, como na audiência do caso Mário Alves
A coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso, cujo mandato se encerra esta semana, anunciou hoje em São Paulo, que o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi de São Paulo de 1970 a 1974, pode ser reconvocado pela CNV.
A afirmação foi feita durante audiência pública conjunta realizada hoje pela CNV e pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo Rubens Paiva na qual as famílias Teles e Merlino entregaram às comissões cópias dos processos nos quais o coronel Ustra foi declarado torturador pela justiça paulista. No caso da família Teles há sentença do Tribunal de Justiça. No da família Merlino, existe sentença de primeiro grau.
“Não há dúvida de que podemos fazer outra audiência pública com Ustra”, afirmou Rosa Cardoso, que será substituída por José Carlos Dias na coordenação da CNV na semana que vem, de acordo com o rodízio de coordenadores estabelecido pelos membros.
O pedido para uma nova convocação de Ustra foi formulado por Angela Mendes de Almeida, viúva do jornalista Luiz Eduardo Merlino, e por Amélia Teles, torturada pessoalmente pelo coronel. Angela pediu ainda que seja realizada pela CNV e pela Comissão Rubens Paiva uma audiência sobre o papel do Hospital Militar de São Paulo na repressão e sobre o delegado de polícia da ativa, Dirceu Gravina, conhecido na época da repressão como JC e é acusado de torturar Merlino no Doi.
Segundo Rosa, a audiência deve ser organizada de outra maneira, ouvindo familiares de mortos e desaparecidos no Doi-Codi de São Paulo e sobreviventes de tortura e, depois, o coronel, nos moldes da audiência do caso Mário Alves, no Rio, a primeira em que um agente da repressão admitiu que praticou tortura desde a criação da CNV.
Rosa, entretanto, deixou claro que a proposta deverá passar pelo colegiado da CNV e que a data não pode ser anunciada sem essa aprovação e sem combinar as agendas da CNV e da Comissão de São Paulo, convidada por ela a participar da organização da audiência. Na nova audiência, afirmou a coordenadora, deve ser posto em relevo o fato de que Ustra já foi condenado pela Justiça.
AUDIÊNCIA – Em agosto de 2012, Ustra foi condenado torturador em segunda instância pela justiça paulista na ação declaratória movida pela família Teles. Na ação por danos morais movida pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto sob tortura no Doi-Codi, o coronel Carlos Alberto Bilhante Ustra foi condenado, em primeira instância, a indenizar a família pela morte do jornalista, ocorrida em julho de 1971.
A audiência foi aberta com a exibição de um vídeo em que o ator Celso Frateschi lê texto escrito pela viúva de Merlino, Angela Mendes de Almeida e Nicolau Leonel, que conta a vida do jornalista, nascido em Santos, e que trabalhou no Jornal da Tarde e na Folha da Tarde.
Merlino foi preso dias após voltar da França, onde participou do congresso da IV Internacional. Ele era líder do Partido Operário Comunista. O jornalista foi barbaramente torturado e morreu em decorrência de gangrena nas pernas causada pela tortura. A família só recebeu o corpo de Merlino devido a insistência de um parente, delegado de polícia. A versão oficial é de que ele morreu atropelado na BR-116.
Já as irmãs Amélia e Criméia foram presas e torturadas no Doi. O casal de filhos de Amélia, ainda crianças, foram sequestrados e obrigados a ver a situação em que se encontravam seus pais. “O Ustra, na época major, me torturou, torturou o meu companheiro César e minha irmã Crimeia, grávida de 7 meses”, relatou Amélia.
A CNV recebeu das mãos do advogado Aníbal Castro de Souza, que atuou junto com Fábio Konder Comparato nas causas cíveis promovidas pelas famílias Teles e Merlino na Justiça Paulista, as cópias dos dois processos.
Segundo o advogado, há oito anos, quando Comparato decidiu entrar com as ações, havia muitas dúvidas, pois era a primeira ação movida contra a pessoa de um torturador. “Mas o que era uma dúvida agora está aí, na forma de sentenças”, afirmou.
Para Rosa, os processos movidos pelas famílias Teles e Merlino comprovam que sequestros, tortura e assassinato foram praticados ou comandados por Ustra quando ele comandava o Doi-Codi de São Paulo, um dos maiores centros de repressão da ditadura, palco de mais de 40 assassinatos e de, pelo menos, 500 casos de tortura.
Fonte – Comissão Nacional da Verdade – Assessoria de Comunicação