Após fazer sucesso em São Paulo, agora é a vez do Rio de Janeiro receber a mostra Ocupação Zuzu, que conta a história da estilista Zuzu Angel, morta durante o regime militar. Na capital paulista, a exposição recebeu um público de 45 mil pessoas em quatro semanas. No Rio, a estreia acontecerá na próxima quinta-feira (14), e irá até o dia 2 de novembro, no Paço Imperial. Produzida pelo Itaú Cultural, a mostra tem curadoria compartilhada de Hildegard Angel, filha de Zuzu, jornalista e criadora do Instituto Zuzu Angel e do Museu da Moda; Itaú Cultural e Valdy Lopes Jn.
Zuzu Angel morreu na madrugada de 14 de abril de 1976, aos 54 anos de idade, em um acidente de carro no Rio de Janeiro, na Estrada da Gávea, à saída do Túnel Dois Irmãos, hoje batizado com seu nome. Anos depois, a família conseguiu provar que ela foi assassinada pelo governo militar, assim como Stuart morto e desaparecido em 1971, aos 26 anos. O caso do militante continua sendo examinado pela Comissão Nacional da Verdade, que recentemente coletou e divulgou o depoimento do capitão reformado da Aeronáutica, Álvaro Moreira de Oliveira Filho. Segundo ele, o corpo de Stuart teria sido enterrado na cabeceira da pista da Base Aérea de Santa Cruz.
Boletim de ocorrência do acidente que matou Zuzu Angel
A mostra
A mostra reúne mais de 400 itens, entre eles criações de Zuzu. Entre as roupas estão quatro vestidos de noiva desenhados pela modista e nove trajes que ela vestiu durante seu luto pela morte do filho militante do movimento MR-8. Há ainda três exemplares usados por modelos americanas no famoso desfile de protesto que ela fez em Nova York, no começo dos anos 70, e dois exemplares da série pastoral. Os anjinhos, que se tornaram uma marca da modista por representarem seu nome, também fazem parte da exposição e aparecem em mais de 30 itens, como camisetas, bolsas, fivelas e porta-óculos.
Além das roupas, criações e objetos pessoais da modista, a mostra traz também documentos que mostram o lado militante de Zuzu. Após o desaparecimento de Stuart, ela iniciou uma busca desesperada por informações e justiça. Por ter sido casada com um americano, Norman Angel Jones, Zuzu conhecia muitas pessoas fora do Brasil. Assim, aproveitou-se de sua influência e enviou cartas com denúncias a seus amigos, mães de outros desaparecidos, congressistas americanos, militares brasileiros, intelectuais e artistas. Algumas dessas cartas e outros documentos estarão presentes na mostra, assim como mensagens enviadas por amigos, para encorajá-la em sua busca ou lamentando a morte de Stuart.
Além dos documentos, a mostra traz vídeos e fotografias do acervo pessoal da família. Durante todo o período da exposição, em dias alternados, atrizes dirigidas pela estilista e consultora Karlla Girotto estarão vestidas com réplicas de roupas desenhadas por Zuzu elerão trechos de suas cartas, fazendo performances surpresa entre o público.
Para organização da Ocupação Zuzu “o evento afirma o entendimento da moda como importante segmento de reflexão da cultura contemporânea, possibilita a fruição e a análise da vida e da obra de uma das mulheres mais singulares da nossa história, Zuleika Angel Jones, e soma-se aos acontecimentos que revisitam a Ditadura Militar Brasileira, no ano em que o golpe completa 50 anos”.
Texto Hildegard Angel
Hildegard, Ana Cristina, Zuzu Angel e Stuart
“Minha mãe passou seus últimos anos de vida juntando fragmentos da memória de meu irmão Stuart, como se através deles quisesse recompor o corpo que não conseguia encontrar para enterrar.
Eram o cacho louro do chuca-chuca do bebê, achado no antigo missal, a cartinha infantil manuscrita com a frase “Para a melhor mãe do mundo”, a flâmula da Copa de 58, a coleção de apitos de imitar trinado de passarinho, as sandálias com que ele deu seus primeiros passos, a camisa verde-água, única peça de roupa deixada por ele em casa, e até o prosaico “compadre”, com que foi atendido quando fraturou a perna e ficou de cama.
Cabeça, tronco, membros simbólicos para a manter dolorosa que, sem ter nos braços o corpo do filho, em seus momentos de desespero chegava a compará-lo a Jesus.
Hoje, olhando os vestidos de mamãe dependurados nas araras, alguns já praticamente sexagenários, porém, passados a ferro, empertigados, aparentando juventude e prontos para viverem seu momento de glória na Ocupação Zuzu Angel, do Itaú Cultural, eu me faço a pergunta, pasma até: “Como consegui guardar, preservar, reunir tudo isso?”.
Eles são apenas parte de coleção bem maior, que soma outras roupas, retalhos, moldes, amostras de tecido, etiquetas, vestidos desmanchados, rabiscos, botões, fivelas, tesouras, notas fiscais, documentos, embalagens, recortes de jornal, cartas, pedaços de papel, fotos, negativos, todo o universo de um ateliê de costureira, a vida de uma casa de família, vestígios, parecendo querer construir não uma coleção, mas a própria mãe.
Como uma predestinação familiar, percebo que repito a trajetória de minha mãe ao tentar recompor seu filho… Nesse minucioso trabalho de arqueologia, fui também muito ajudada. Um mutirão solidário foi iniciado pelas próprias costureiras.
Munida com as agendas telefônicas de mamãe, fui ligando para cada uma das clientes. Outras, atendendo convocação feita por mim em coluna do jornal, batiam mesmo à minha porta com as roupas nas mãos. Em Belo Horizonte os parentes guardaram as peças nas malas antigas. Quando alguém via algo dela em brechó, se não adquiria e me presenteava, telefonava correndo para avisar. Fotógrafos também doaram preciosos negativos. Todos, todos formaram fileiras nessa missão.
Foi uma verdadeira ação de militantes, uma ação política. Iniciada nos anos da ditadura, a Coleção Zuzu Angel, que hoje temos, embute um sutil significado que a caracteriza como um grande e largo gesto de resistência política, um claro protesto de seus doadores contra aqueles anos negros vividos.
Todos pareciam querer manifestar, através de suas doações, o apreço e a admiração, não apenas pela legitimidade da moda pioneira e ímpar, com brasilidade, de Zuzu Angel, mas por desejarem inscrever sua filiação solidária à falange de “angels” insurgentes contra o período de opressão que viveu o Brasil”.
(Hidelgard Angel)
Ocupação Zuzu
A série Ocupações foi idealizada pelo Itaú Cultural com o objetivo de contar a história de artistas e criadores. Neste ano, a primeira é a Ocupação Zuzu, 17ª da série. Já foram contadas as histórias do pintor e escultor Leonilson, do escritor e dramaturgo Jorge Andrade, do arquiteto Oscar Niemeyer, do artista plástico e arquiteto Flávio Império e do cantor e compositor Elomar.
Vídeo
Hildegard Angel fala sobre sua mãe: como ela se destacou com sua moda e sua força ao enfrentar o regime militar em um tempo em que as mulheres eram moldadas para serem donas de casa. Veja:
Serviço
Duração: de 14 de agosto a 2 de novembro de 2014
Coquetel de abertura: 14 de agosto às 18h30
Local: Paço Imperial – Praça Quinze de Novembro, 48 / Centro, Rio de Janeiro – RJ
Horário de funcionamento: Ter-Dom, 12h -18h
Telefone (21) 2533 4359
Entrada Franca
Performance das atrizes:
Horário: 12h às 18h
Datas: 16 e 17 de agosto, 13 e 14 de setembro, 18 e 19 de outubro, 1 e 2 de novembro
Fonte – Jornal do Brasil