Bancário morto em 2012 dedicou a vida e comprometeu sua liberdade e integridade física pela defesa dos funcionários cassados do Banco do Brasil e pela redemocratização do país.
Continuam os trabalhos da comissão da verdade instaurada pelo Sindicato para apurar fatos e versões ainda obscuros envolvendo a categoria e a entidade durante o regime militar no Brasil. Tanto os bancários quanto sua associação foram duramente vigiados e reprimidos nos 21 anos de ditadura, que em 2014 completou 50 anos da data do golpe.
Em primeiro de abril de 1964, forças reacionárias às reformas sociais que o presidente eleito João Goulart pretendia implantar tomam o poder e passam a repreender gradativa mobilização popular.
Uma das primeiras medidas, o Ato Institucional 2 (AI-2), dos golpistas foi a demissão e a cassação dos direitos políticos de milhares de funcionários públicos, dentre eles, trabalhadores do Banco do Brasil. Antônio da Costa Gadelha Neto foi um deles. Sua história durante os anos de exceção será contada a seguir.
Natural de Ribeirão Preto, filiado ao PCB e funcionário concursado do Banco do Brasil, Gadelha, como era conhecido, ingressou no movimento sindical, engajando-se na organização das greves reivindicatórias à época.
Quando eclodiu o golpe militar, em abril de 1964, era secretário-geral da Federação dos Bancários de São Paulo e Mato Grosso. Resistiu à intervenção da entidade pelos golpistas, o que lhe custou a demissão do BB, no ano seguinte.
Com a exoneração, se vê obrigado a buscar outras formas de ganhar a vida. Funda, então, dois dos primeiros consórcios de automóveis do Brasil: a Plancar Plano de Autofinanciamento de Carros e a Liber Empreendimentos. As atividades empresariais, no entanto não o fizeram abandonar a militância.
Paralelamente ao trabalho, atua na defesa dos bancários cassados pela ditadura. Funda a Cenba (Comissão Executiva Nacional de Anistia dos Bancários), tendo sido o primeiro presidente.
“O Antônio ficou responsável por levantar finanças para as famílias de todos os bancários cassados, presos e exilados. Eu pouco sei de onde saiam esses recursos, ele me preservou muito”, conta sua esposa, Regina Gadelha.
Ela conta que o marido nunca cogitou entrar para a clandestinidade ou abandonar o país e partir para o exílio. “Antônio dizia que só sairia do Brasil se fosse o último a apagar a luz. [Na clandestinidade] você tem o nome falso, mente sobre o que faz, perde o contato com os familiares. Quando me casei com ele, em 1972, o partido queria mandá-lo para a União Soviética, mas ele se recusou”, relata.
Cadeira do Dragão – Permanecendo no Brasil e com sua vida em evidência foi preso diversas vezes. A primeira delas em 1971. A segunda, em outubro de 1975, “deixaram ele sem roupa no pátio do DOI-Codi, na rua Tutoia, e passaram a noite jogando baldes de água gelada em cima dele. Resistiu firme e não ‘entregou’ ninguém”, diz o ex-bancário e também perseguido político Geraldo Magnanelli.
A prisão e perseguição política, no entanto, o fizeram perder suas administradoras de consórcios, mas para continuar obtendo renda para o sustento da família, funda a corretora de imóveis Gran-Via Administração de Bens.
No entanto, em 1975, cai a militância do PCB que se abrigava sob o “guarda-chuva” do MDB – dentre eles, Antônio.
“Foi a prisão mais longa e mais terrível”, recorda Regina. “Em 15 dias ele perdeu 18 quilos. E mesmo tendo sido levado cinco vezes para a Cadeira do Dragão [estrutura metálica na qual o torturado era amarrado nu e recebia choques elétricos] novamente não delatou nenhum companheiro. Levou choques nos rins, nos testículos, nos dentes, na boca. Por causa da prisão eu me escondi dois dias. Quando voltei, a casa estava toda revirada. E ele ficou com várias sequelas.”
Transição – Em 1979 é anistiado e, no ano seguinte, autorizado a retomar suas funções no Banco do Brasil, na Agência de Piracicaba-SP, cidade em que residia à época.
Novamente preso em 1982, por ocasião do VII Congresso Nacional do PCB, no qual era delegado, foi outra vez indiciado em processo policial por tentar reorganizar o partido, de acordo com a Lei de Segurança Nacional.
“Daquela vez ele não foi torturado”, conta Regina. “O delegado disse que se Gadelha não tinha delatado ninguém das outras vezes em que foi preso, não seria agora que ele o faria.”
Transferido para a capital paulistana em 1983, atuou na Agência Jaguaré do Banco do Brasil entre 1983 e 1986, e depois na Agência Centro, onde veio a se aposentar em 1996 sem jamais ter abandonado as atividades políticas e sindicais.
Gadelha faleceu em 2012, aos 76 anos, vítima de falência dos rins. “Ele era apontado pela direita por ser um verdadeiro comunista, por ter aguentado o pau, e também pela esquerda, porque foi um dos únicos que não delatou ninguém. Antônio foi o grande amor da minha vida. Dói fisicamente a falta dele”, afirma Regina.
Trajetória política – Gadelha participou da redação da Reforma Bancária do governo João Goulart durante o turbulento ano de 1963, quando também integrou as fileiras contra a aprovação do Projeto de Reforma Bancária, que pretendia liquidar o Banco do Brasil.
Ele foi contra a luta armada e um dos responsáveis pelo expurgo dos militantes do PCB que quiserem seguir aquele caminho.
Em 1978 funda o diretório do MDB no Jardim América, sendo eleito seu primeiro vice-residente, derrotando a esposa so senador Franco Montoro, Lucy Montoro.
No mesmo ano trabalha na articulação da anticandidatura presidencial do general Euler Bentes em São Paulo, alternativa do MDB ao candidato general João Batista Figueiredo.
Após a redemocratização, aceita coordenar, ainda em 1989, as campanhas de João Herrmann Netto para vice-governador de São Paulo e a do economista Luciano Coutinho para deputado estadual, ambas pelo PSB em aliança com o PT.
Regina conta que Gadelha sempre preferiu atuar nos bastidores da política. “Ele dizia que dessa forma não perdia sua liberdade e tampouco corria o risco de trair suas convicções.”
Fonte – Sindicato dos Bancário de São Paulo