Maristela Kubitschek diz que não concordou com a investigação das causas da morte de seu pai pela Comissão Nacional da Verdade, e que o povo brasileiro não teria coragem de matar um líder tão carismático e que amava tanto
Dia 22 de agosto de 1976, faltavam cinco minutos para as seis da tarde. Na agitada via Dutra, que liga a cidade de São Paulo ao Rio de Janeiro, o Opala de placa NW-9326 é atingido na traseira por um ônibus de turismo, e, desgovernado, invade a contramão e bate em cheio na dianteira do caminhão Scania placa ZR-0398. Os dois passageiros do veículo de passeio morrem na hora: o ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira – que estava prestes a completar 74 anos – e seu motorista, Geraldo Ribeiro. Desse momento até o mês de abril de 2014, o Brasil viveu por quase 38 anos com uma incerteza: JK sofrera um acidente ou havia sido vítima de um atentado cometido pelo regime militar que governava o país?
No início deste ano, a Comissão Nacional da Verdade – criada pela Lei 12528, de 2011, e que tem por finalidade apurar violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 – anunciou o relatório sobre a investigação das causas da morte de JK. “O ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira e seu motorista Geraldo Ribeiro morreram em decorrência de lesões contundentes sofridas quando da colisão frontal. Não há nos documentos, laudos e fotografias trazidos para a presente análise qualquer elemento material que, sequer, sugira que o ex-presidente e seu motorista tenham sido assassinados, vítimas de homicídio doloso. O conjunto de vestígios materiais indicam que eles morreram em virtude de um acidente de trânsito”, diz o laudo divulgado pela comissão no dia 22 de abril.
Um ponto que deixava a teoria de assassinato mais crível foi a descoberta de um fragmento metálico no crânio do motorista de JK, na época em que foi realizada a exumação de seu corpo, em 1996. A Comissão Nacional da Verdade, porém, enviou o material para a perícia da polícia federal, que concluiu se tratar de um cravo usado para sustentar a tampa do caixão de Geraldo Ribeiro. Coincidências também ajudaram a culpar a ditadura militar, já que entre os anos de 1976 e 1977, três grandes nomes da política brasileira morreram de forma súbita: Kubitschek, no acidente de carro; João Goulart, que teria sofrido um infarto; e Carlos Lacerda, que fora internado com pneumonia.
“Eu acredito nos desígnios de Deus, e segundo as condições do acidente em que papai morreu, seria quase impossível ser um atentado. Nem James Bond conseguiria fazer algo tão exato. Além disso, na época de sua morte, não havia mais o clima de perseguição no país. Ao contrário, ele poderia até ajudar na redemocratização do Brasil, de forma pacífica”, diz a arquiteta Maristela Kubitschek, filha de Juscelino. Para ela, o povo brasileiro poderia fazer de tudo, menos assassinar o presidente que tanto amava. “O impacto da morte de papai foi muito grande, e as pessoas preferiam acreditar no ato de violência contra ele, do que em acidente. Não queriam pensar que estivesse morto”, conclui.
Em 2013, a Comissão da Verdade de São Paulo chegou a analisar o mesmo caso, e o parecer foi acompanhado de 90 provas materiais para afirmar que o acidente, na verdade, teria sido proposital, ou seja, um atentado. O presidente da comissão, o vereador Gilberto Natalini (PV), lembrou que muitos passageiros do ônibus de turismo disseram, na época da morte de JK, que não sentiram a colisão com o Opala.
Independente de quem está com a razão, Maristela Kubitschek diz ter sido contra a investigação do caso pelas comissões. “Ainda durante o regime militar, foi feita uma análise do acidente, com o mesmo resultado. Não cheguei a ver os pareceres da Comissão da Verdade de São Paulo e da Comissão Nacional da Verdade. Mas recebi um telefonema com o resultado da investigação, antes de ser divulgado. Disseram que papai realmente havia morrido devido a um acidente. Isso é o que eu sempre soube”.
Fonte – Correio Web