Acervo da Comissão da Verdade pode ajudar na prova do Enem

Documentos de presos políticos, como Miguel Arraes, estão disponíveis.
Professor Paulo Chaves aborda momentos do golpe que completou 50 anos.

Professor de história do Brasil Paulo Chaves destaca pontos importantes sobre a ditadura militar (Foto: Anna Tiago/G1)

Entender o golpe de 1964, quando os militares instauraram um regime de ditadura no Brasil, pode ser essencial para as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano. Além de o tema ser recorrente nas avaliações, o fato histórico completou 50 anos em 2014. O período, que ainda levanta muitas questões envolvendo democracia e direitos humanos, pode ser abordado na prova de história.

Em Pernambuco, os alunos que se preparam para o vestibular devem estar atentos ao noticiário e ao material disponível sobre o regime militar. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) e a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara (CEMVDHC) vêm desenvolvendo diversos trabalhos com o objetivo de investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1964 e 5 de outubro de 1988.

Neste mês, no Recife, militares suspeitos de ter envolvimento em casos de tortura em Pernambuco durante o regime foram ouvidos pela comissão. Também em outubro, ex-presos políticos foram convidados a reconhecer instalações que serviram como locais de prisão e tortura.

Desde o dia 1º de outubro, a CEMVDHC disponibilizou, no site da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), parte do acervo com vários documentos do período, como relatórios sobre assassinatos, prontuários e documentos pessoais, judiciais e policiais de presos políticos. Entre eles, os prontuários de Dom Hélder Câmara, ex-arcebispo de Olinda e Recife que foi perseguido pelo governo militar, e do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, deposto um dia após o golpe.

Documentos como o prontuário de Dom Helder Câmara estão disponíveis em um acervo digital. (Foto: Divulgação)

“A gente sabe que, durante a ditadura, a censura impediu a divulgação não apenas dos documentos, mas dos próprios fatos. Vivemos um momento em que nem o nome de Dom Hélder podia aparecer no noticiário”, diz o coordenador da CEMVDHC, Fernando Coelho. De acordo com ele, todos os fatos que forem comprovados serão levados a conhecimento público. “Não temos o poder de julgar, temos o poder de revelar a verdade e divulgá-la é o nosso objetivo”, completa.

Para o professor de história Paulo Chaves, a comissão vem resgatar a história de um momento complicado para a sociedade brasileira. “No momento em que existe essa preocupação em chamar essa Comissão da Verdade para colocar indivíduos para depor, o governo sinaliza para punir ou, pelo menos, sinaliza com a possibilidade de fazer justiça em relação aos acontecimentos nefastos do período”, diz.

Os acontecimentos aos quais o professor se refere estão relacionados ao tolhimento das liberdades. “Não era mais admissível que, num país democrático, essa impunidade fosse mantida. A Comissão da Verdade vem abrir esses arquivos e tentar apontar alguns responsáveis que ainda podem responder por aquelas atrocidades. Mesmo sendo tarde, eu acredito que ela é importante nesse aspecto”, ressalta.

Entre os documentos disponíveis no acervo digital, o docente destaca os relativos ao ex-arcebispo Dom Hélder Câmara. “Ele estava ligado a um movimento da Igreja Católica no Brasil, de vanguarda, com muitos seminaristas na América Latina que se manifestavam contra a ditadura: o movimento chamado de Teologia da Libertação”, diz. Dom Hélder denunciava as torturas cometidas pelos militares e tentava organizar a sociedade para combater a ditadura e libertar o País. “É importante destacar o papel revolucionário dele, até porque grande parte da Igreja foi omissa ao que estava acontecendo”, ressalta.

Para ele, acessar o conteúdo disponível na internet relativo ao período de ditadura aumenta a bagagem do candidato e pode ajudar na hora da prova. “Inclusive, o Enem pode usar fragmentos desses documentos para sugerir análises”, diz.

 

Contexto

Para a prova do Enem, o aluno precisa ter um conhecimento sobre o contexto da época que gerou o golpe no Brasil. “O que é fundamental é ter a visão macro do processo. O que está acontecendo no momento? A Guerra Fria, a bipolarização entre o capitalismo e o socialismo e a tentativa dos Estados Unidos de bloquear o avanço do socialismo na América Latina, lançando um movimento chamado ‘Aliança para o progresso’”, explica Paulo Chaves.

A partir desse momento, o governo americano passa a financiar golpes na América Latina. “Isso é fartamente documentado através de um projeto chamado ‘Brother Sam’, que prova que eles realmente financiaram golpes. É interessante a gente perceber que o Brasil não estava isolado”, completa.

Após o golpe no Brasil, o professor destaca a imposição dos Atos Institucionais (AIs), principalmente o AI-5, promulgado em 1968 pelo então presidente Costa e Silva. “Esse foi terrível. Permitia que o próprio presidente cassasse qualquer mandato político ou direito civil de qualquer cidadão. Fora isso, também permitiu o confisco dos bens de presos e exilados políticos”, conta.

Outro ponto importante é o movimento de distensão da ditadura, quando os militares começam a perder forças. “É o processo de reabertura, que começa com Geisel e se consolida com Figueiredo. Dentro dessa questão, estão os movimentos como as Diretas Já e a emenda Dante de Oliveira, que propunha eleição direta para presidente”, detalha o professor.

O candidato também deve estar atento aos movimentos culturais que nasceram no período. “A Tropicália, as músicas de protesto, o cinema novo de Glauber Rocha e Nelson Pereira e o teatro, com Gianfrancesco Guarnieri. Tudo isso é uma crítica ao período”, pontua.

 

 

Fonte – G1

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