O desejo de reparação das sequelas causadas pelos atos de violência cometidos na ditadura militar marcaram a abertura do Encontro Internacional Diálogos e Formas de Intervenções no Campo da Violência de Estados Ditatoriais, que teve início nesta sexta-feira (14), no Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, em Porto Alegre.
Programação do evento, que começou nesta sexta-feira, continua sábado – Foto: Leandro Osório/Especial Palácio Piratini
O evento reuniu especialistas do Brasil, Uruguai e Argentina em um debate sobre as maneiras de promover a restauração simbólica, moral e psíquica daqueles afetados durante os anos de repressão no Cone Sul. A atividade é resultado da parceria entre o Ministério da Justiça e a Comissão de Anistia, a Assessoria de Cooperação e Relações Internacionais (Acri), o Memorial do Rio Grande do Sul, a Sigmund Freud Associação Psicanalítica do RS (SIG) e a Projetos Terapêuticos RJ.
O vice-presidente da Comissão de Anistia, Jose Carlos Moreira da Silva Filho, parabenizou a iniciativa. “É através dos testemunhos e das narrativas pessoais que temos a condição de nos sensibilizar politicamente. Este projeto representa a construção de um espaço de recuperação psíquica que é fundamental para que a sociedade aprenda com as utopias e sonhos que foram rompidos pela violência institucional”, avaliou.
Segundo o coordenador da Acri, Tarson Nuñez, o resgate de traumas individuais é uma forma de construir a memória coletiva sobre a democracia. “Todos que foram vítimas da ditadura ainda sofrem com as consequências. Temos que acabar com a herança da violência que se mantém até hoje, principalmente com a população pobre. É necessário e é possível punir os crimes contra a humanidade, pois eles somente serão evitados no futuro se conseguirmos fazer um ajuste de contas com o passado”, destacou.
Após a cerimônia inicial, a artista Rita Maurício apresentou um fragmento do monólogo “Para sempre poesia”, que fala sobre a vida de seus pais, o poeta e ex-preso político José Luiz Maurício e a artista plástica e bonequeira Seli Maurício. A peça remonta aos momentos de angústia da experiência vivida nos anos de perseguição e cárcere por meio de uma performance carregada de sentimentos e intensidade.
Na sequência, foi realizada a primeira mesa do encontro, “Contexto histórico da violência de Estado no Cone Sul”. As atividades terão continuidade neste sábado (15), no mesmo local. (Clique aqui para conferir a programação).
Também estavam presentes a secretária estadual da Justiça e dos Direitos Humanos, Juçara Dutra, a assessora de relações internacionais Norma Espíndola, o presidente da Comissão Estadual da Verdade, Carlos Guazzelli, a cônsul-geral do Uruguai, Karla Beszkidnyak, a presidente da SIG, Sissi Vigil Castiel, entre outras autoridades.
Modelo argentino é exemplo
Um dos destaques entre os convidados, o subsecretário de Direitos Humanos da Argentina, Luis Alén, ressaltou a importância de refletir sobre o processo de memória com os diferentes atores da região. “Assim vemos em que etapa estamos, que desafios temos e como podemos seguir avançando regionalmente neste tema chave para o fortalecimento da democracia” disse, informando que em seu país exitem inúmeros espaços de memória e que, atualmente, 25 casos relacionados à operação Condor estão sendo investigados.
“São assuntos que requerem tempo, discussão social, organização do Estado e da sociedade, e é muito importante pensá-los como um processo racional, onde os países vão aprendendo uns com os outros”, completou.
Para o secretário-executivo do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH) e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Victor Abramovich, essa é uma luta que nunca termina. “Costumamos compará-la a parar à frente da linha do horizonte: quanto mais se caminha, mais longe fica. Temos uma história de violações gravíssimas no Cone Sul que deixaram consequências terríveis. Na Argentina, em 2013 o processo de julgamento resultou em mais de 560 condenados, além de termos uma série de programas de assistência originários de uma decisão política por conta da pressão de movimentos que nunca desistiram da justiça, como as Avós e Mães da Praça de Maio”, explicou.
O diretor do Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Márcio Tavares dos Santos, falou sobre o processo de concepção do espaço. “Quando recebemos o aval do bloco para a criação do museu, fizemos uma missão à Argentina para conhecer seu trabalho de resgate da memória, justiça e reparação, que é um exemplo para todos os países da América Latina. Nosso espaço busca atuar como um articulador de ações para superar o legado da violência”.
Clínicas do Testemunho
Na ocasião, foi lançado o livro “Clínicas do Testemunho: reparação psíquica e construção de memórias”, resultado de dois anos de estudos com vítimas do regime feitos pela SIG em parceria com a Projetos Terapêuticos RJ e em convênio com o Ministério da Justiça/Comissão de Anistia.
O projeto visa proporcionar escuta e devolver voz àqueles que tiveram suas vidas afetadas pela violência estatal em um regime de exceção. As práticas instituídas de tortura, prisões arbitrárias, mortes e desaparecimentos forçados permanecem produzindo efeitos na sociedade enquanto permanecerem ocultadas, desconhecidas e impunes e, por isso, o programa se estende ao âmbito do individual ao social.
“Os trabalhos apresentados neste livro apontam para a complexidade do tema da reparação psíquica a partir do trauma e do testemunho, e a dupla face que o horror da violência gera. Todos esses elementos reforçam a lembrança para que a luta pela justiça continue”, afirmou a coordenadora do Clínicas, Bárbara Conte.
Fonte – rs.gov.br