“Este é o pior momento de nossa história republicana; não precisamos de intervenção militar!”

A frase que dá título a esta matéria é de um nome de relevo de nosso jornalismo investigativo, Saulo Gomes. Ele iniciou sua carreira em 1956, na Rádio Continental do Rio de Janeiro. Em seis décadas ininterruptas de atividades, recebeu alguns dos mais importantes prêmios do jornalismo nacional e por sua independência, acumulou mais de uma centena de processos judiciais, sendo preso e exilado logo após o golpe de 64. É o atual presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos (ABAP) e o responsável pela recente edição do livro A coragem da inocência, sobre a vida e a obra de Madre Maurina Borges da Silveira, presa e torturada pelos agentes da ditadura militar.


Poderia contar sobre sua formação e como surgiu o interesse pelo jornalismo? Sempre fui muito ativo e falante e quando, em 1955, a Rádio Continental do Rio de Janeiro anunciou o concurso para a admissão de um repórter, eu me inscrevi. Entre  200 candidatos, fui aprovado em primeiro lugar. Iniciei minhas atividades em janeiro de 1956 e, até hoje, procuro honrar a classe. Projetei meu nome através do jornalismo investigativo. A Lei 972/69, proporcionou meu registro profissional.

Que experiências destaca como mais marcantes em seis décadas como jornalista? Tenho muitas, v ou destacar algumas. Em 1960, o programa sobre a Fera da Penha, no Rio de Janeiro, anos mais tarde levado ao no programa Linha Direta, da TV Globo. Em 1961, convivi 47 dias na selva amazônica, com os índios Kaiapós. Em 1968, fiz uma viagem de jangada, do Rio de Janeiro a Santos, que durou sete dias, ficando perdido por dois dias em alto mar. Em 1971, o programa  Pinga-Fogo com Chico Xavier, na TV Tupi e outras tantas que poderia citar.

Você foi um dos primeiros jornalistas cassados pelo golpe militar de 64. A que se deveu isso? Como diretor de jornalismo da Rádio Mairinque Veiga, no Rio, liderei a rede da legalidade, no final de março de 1964, com o companheiro Emilson Fróes, da Rádio Nacional. O jornalismo arrojado que eu exercia me fez o alvo principal de civis e militares. Fui exilado no Uruguai, cassado pelo Presidente Castelo Branco e preso ao regressar ao Brasil.

Por vários anos contratado dos Diários Associados, apoiadores do regime ditatorial instalado no país a partir de março de 64, sofreu muitas restrições no trabalho que lá desenvolveu? Edmundo Monteiro, diretor presidente dos Diários Associados, respeitava as opiniões dos funcionários, desde que não interferisse na atividade profissional.

Sobre a controversa figura de Assis Chateaubriand, com quem conviveu, o que dizer? Assis Chateaubriand tratava com respeito seus profissionais, sem abdicar de sua autoridade. Para ele, a notícia estava em primeiro lugar.

Chico Xavier, em várias ocasiões perseguido pelos Diários Associados, a seu convite acabou sendo o responsável pela maior audiência da história da TV Tupi, ao participar do programa Pinga-Fogo, em 1971. O que levou a emissora a mudar de ideia em relação ao médium? Os tempos eram outros. Os fatos ocorridos no passado ficaram para trás. Na verdade, o que aconteceu foi que eu precisei persuadir meus diretores a entrevistar o médium Chico Xavier no programa Pinga-Fogo, programa esse que até então só entrevistava personalidades da área política e empresarial.

A que atribui o conservadorismo em entrevistas que concedeu ao longo dos anos 70, Chico Xavier sempre se mostrou simpático ao regime militar, ao contrário de vários líderes católicos com posições progressistas político do religioso mineiro? Na verdade, a posição de Chico se aproximava dos dirigentes católicos, como D. Paulo Evaristo Arns. Chico respeitava, mas sofria com as notícias de tortura. D. Paulo mudou de posição a partir de 1969, com o episódio de Madre Maurina Borges da Silveira, presa, torturada e banida, acusada como terrorista. Chico discretamente ajudou a muitos perseguidos, em Minas Gerais, e no decorrer de sua vida sempre manteve respeito aos governos – antes, durante e depois do regime militar. Ele nunca levantou bandeira para nenhum partido ou governo.

Sua ligação com o espiritismo começou ao entrevistar pela primeira vez Chico Xavier,  em 1968, ou já existia? Eu nunca professei nenhuma religião. Depois de 1968, a convivência com Chico Xavier, por mais de trinta anos, me aproximou do espiritismo.

Sobre seu trabalho na Associação Brasileira de Anistiados Políticos, algum balanço a fazer? Foram anistiados pela ABAP, nos seus 20 anos de existência, pouco mais de mil e quinhentos companheiros. O trabalho desenvolvido por seus fundadores, Carlos Fernandes e Alexandrina Cristensen, foi muito profícuo. A lei 10.559, assinada por Fernando Henrique, em 2002, teve, em grande parte, textos elaborados por Carlos Fernandes.  Ao assumir a presidência, em dezembro de 2013, juntamente com meus companheiros de diretoria, dei continuidade à linha de trabalho deles, sendo que alguns desses companheiros são fundadores da ABAP.

Acredita que a imprensa brasileira seja isenta e que haja plena liberdade aos profissionais que nela militam? Acredito que haja uma censura, velada, de alguns órgãos de imprensa.

As televisões abertas, em sua luta insana por audiência, não terão perdido por completo o sentido ético? De um modo geral, sim. A maior parte dos repórteres são “seguradores de microfone”. Os tempos são outros!

Como analisa o atual momento político que vive o país e o saudosismo dos que defendem nova intervenção militar? Que antídoto temos contra eles? É o pior momento de nossa história republicana. Não precisamos de intervenção militar. É só aplicar e fazer cumprir as leis. Nada impede que militares sejam candidatos à presidência da república. Dos trinta e seis presidentes da república que o Brasil já teve, desde 1889 até hoje, nove militares foram eleitos pelo voto, direto e indireto.  Já tivemos também duas juntas militares.  Os militares, assim como os civis, acima de 35 anos, podem se candidatar à presidência da república. Não precisamos de canhões, nem de baionetas. A arma do povo é o voto.

Por Angelo Mendes Corrêa e Itamar Santos *

Angelo Mendes Corrêa – mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP).

Itamar Santos – mestrando em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP)

 

Fonte – São Paulo Review

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