Projeto é desenvolvido pelo Ipac e será apresentada ao governo estadual.
G1 visitou casa, que está em situação de abandono; filho comemora notícia.
A casa onde o ex-guerrilheiro baiano Carlos Marighella viveu, localizada no bairro de Nazaré, em Salvador, será tombada pelo Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC) e fará parte de um roteiro cultural destinado à memória de episódios de repressão da ditadura militar no estado. O projeto deve ser apresentado ao governo baiano até o início de 2016, de acordo com João Carlos de Oliveira, diretor do Ipac.
“O Ipac está construindo um roteiro para proteção que englobe vários pontos da ditadura na Bahia, como a casa [de Marighella], os fortes de Barbalho e Santo Antônio, com um roteiro de visitação e proteção”, explicou João Carlos. O tombamento da casa do ex-guerrilheiro chegou a ser negada pelo órgão no ano passado, mas, segundo o diretor do Instituto, que assumiu a gestão neste ano, o processo lançava olhar apenas sobre o caráter arquitetônico do objeto. A ideia agora é valorizar o potencial histórico do local.
“Quando a gente assumiu, fizemos reuniões com grupos como o ‘Tortura, Nunca Mais’ e pensamos em tentar uma ideia muito interessante, numa paisagem de repressão no estado. Ao incluir a casa nesse roteiro imagético, onde há contexto de repressão, a gente consegue valorizar o caráter histórico”, informou. Ainda não há definição sobre qual será o uso da casa. “A gente está construindo ainda. A ideia é ter um centro com toda a memória de resistência e de lutas da Bahia. A gente tem várias revoltas, como a dos Malês e a dos Alfaiates. A Bahia sempre foi símbolo de luta e resistência”, disse o gestor.
Silêncio de décadas
Filho de Marighella, o advogado Carlos Augusto Marighella, 67 anos, contou ao G1que os familiares do ex-gerrilheiro ainda não foram informados oficialmente sobre o interesse de tombamento do governo do estado. Ainda assim, revelou entusiasmo com o anúncio feito pelo Ipac.
“Eu sei de informações extra-oficiais. Ainda nada oficial. A família vem há muito tempo pleiteando que isso aconteça. O tombamento faz parte de um trabalho de resgate memorial, para que não esqueçamos dessa pessoa que foi condenada a um silêncio de décadas. Ele era um nome proibido. Estamos contentes”, afirmou.
Para Carlos Augusto Marighella, a casa é um dos poucos registros da “baianidade” do pai. Segundo o filho, o comunista morou na residência até os 25 anos de idade. Em 1957, o imóvel foi vendido. “Hoje, pertence a particulares. O Estado vai ter que abrir negociação com os novos donos”, informou. Uma outra lembrança de potencial histórico-cultural está no Cemitério Quinta dos Lázaros, onde foram armazenados os restos mortais do ex-gerrilheiro. A arte tumular foi feita pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
Casa onde viveu Carlos Marighella, em Salvador(Foto: Henrique Mendes / G1)Casa abandonada
A casa onde viveu o ex-gerrilheiro fica na Rua do Desterro, logradouro sem saída localizado no bairro de Nazaré, no Centro Antigo de Salvador. Do local, é possível chegar a pé ao Pelourinho, bairro histórico e turístico da capital baiana, como também à Baixa dos Sapateiros, região conhecida pelo comércio popular.
O G1 visitou o local e constatou que o imóvel tem características de abandono. Inabitada, a casa não tem cobertura, está com o reboco à mostra e tem a frente tomada por cones de estacionamento. Comerciantes da região deixam os carros em frente à residência durante o turno de trabalho.
Vizinho da casa, Geovaldo dos Santos afirma que, sem a presença de familiares, o espaço sofreu tentativas de invasão. “Já tentaram invadir algumas vezes. Os moradores que nunca deixaram”, disse. Morador há 40 anos, Santos afirmou à reportagem que já conhecia a história da casa. “Sei que ele foi revolucionário, por boas questões, por boas causas. Ele lutou pelo o que achava que estava correto”, disse sobre a missão do ex-guerrilheiro de lutar contra as repressões vividas no país durante o perído de Ditadura Militar.
Carlos Marighella (Foto: Reprodução/TV Bahia)
Sobre a possibilidade tombamento do imóvel, o morador afirmou ter expectativa. “Estou sabendo que vai ser tombado. Necessário, pelo estado em que se encontra. Provalvelmente, vai ter segurança, vigilância e vai ter alguma coisa sobre ele para que as pessoas possam ler e conhecê-lo. Seria ótimo se fosse transformado em um museu. Isso é a nossa história”, conclui.
História
Carlos Marighella foi um dos principais nomes contra o regime militar e chegou a ser considerado o inimigo número um do governo. Tornou-se militante do Partido Comunista Brasileiro e foi preso diversas vezes. Em 1964, ele foi preso por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) após ser baleado. No ano seguinte, ele optou pela luta armada contra a ditadura. Ele morreu em uma emboscada em São Paulo. O guerrilheiro nasceu em Salvador.
Na terça-feira (11), o ator e diretor de cinema Wagner Moura se reuniu com o governador da Bahia, Rui Costa, para apresentar projeto do filme sobre o soteropolitano Carlos Marighella. No encontro, o chefe do executivo se comprometeu a apoiar o filme e disse que a história de Marighella é uma passagem importante da luta contra a ditadura.
O filme terá direção de Moura. Segundo ele, a proposta é fazer um filme de ação, que atraia o público para conhecer a história de Marighella.
Fonte – G1