O Arquivo Público do Distrito Federal divulgou nessa quinta-feira (02/02) uma notícia de grande relevância nacional: a abertura do acervo sobre a ditadura no Brasil mantida sob sigilo há mais de 50 anos. Segundo a fonte, são quase 100 caixas de documentos datados entre 1963 até 1990, cobrindo o período do regime militar e parte da redemocratização brasileira, com informações sobre investigações de movimentos políticos, reuniões, congressos estudantis e boletins de ocorrências de prisões políticas. A referida notícia além de ser celebrada entre historiadores, cientistas políticos e demais pesquisadores da história política recente do Brasil, possui um valor histórico à nossa contemporaneidade e, portanto, não poderia ser esquecida.
A ditadura civil-militar vigente no Brasil durante 21 anos (1964-1985) foi caracterizada pela instituição de um Estado de exceção marcado pelo cerceamento das liberdades democráticas, a autocracia e a repressão institucionalizada. Com o fim desse regime, em 1985, não conseguimos obter uma abertura imediata dos porões da ditadura juntamente com a divulgação da documentação pertinente a tal período. Ao contrário, a saída dos militares do poder presidencial resultou em um ardiloso jogo político de distorção e manipulação do conhecimento histórico acerca do regime, através do monopólio de informações e sigilo confidencial dos documentos públicos que deveriam ser publicizados. Por conseguinte, o contexto do Brasil pós ditadura se caracterizou por esse modus operandi dos militares: ocultar as fontes documentais e fraudar a verdade histórica, a fim de negar à sociedade brasileira o direito de conhecimento da sua própria história e a construção de uma verdadeira justiça de reparação para os crimes de Estado cometidos pelo regime.
Nesse sentido, as pesquisas temáticas sobre a ditadura civil-militar inserem-se com significativa importância ao se constituírem de um referencial teórico-metodológico para, cientificamente, revelar dados, informações e saberes relacionados ao conhecimento histórico do período ditatorial. Após três décadas do fim da ditadura, o referido contexto ainda permanece no centro de diversas tensões, disputas e debates entre a história e a memória acerca da compreensão sobre o regime. Nesse conflito, as referidas pesquisas possibilitam a (re) interpretação desse passado através das questões suscitadas no tempo presente e que estão relacionadas ao período de exceção. Todavia, o nosso caminho enquanto pesquisadores de tal temática tem se confrontado com diversos obstáculos, em especial no que se refere a disposição do Estado brasileiro (repleto de resquícios ditatoriais) em dificultar o nosso trabalho mediante o sigilo de documentos históricos e a não abertura de acervos e arquivos do período, cujas ações fazem parte dessa trama política de ocultação da verdade.
É preciso desarquivar a ditadura! Essa não é uma reivindicação apenas nossa enquanto pesquisadores, e nem das vítimas e seus familiares, mas consiste em um pleito de interesse nacional a respeito de um passado que insiste em não ser revelado. Por quais objetivos? A interesses de quem? Com a palavra, os militares e seus apoiadores… Aliás, esses dois grupos não só se esquivam de tais questões como também se reservam a forjar a memória sobre os fatos e recusar o nosso acesso aos documentos históricos que devem ser coletivos e públicos. Na contramão desse processo, a lei de acesso à informação (Lei nº 12.527/2011) e a Comissão Nacional da Verdade representam conquistas históricas nessa disputa em torno da história recente do nosso país. Em que pese os limites e as lacunas dessas experiências, a abertura do acervo documental do período militar por parte do Arquivo Público do Distrito Federal, é resultado dessas conquistas.
Trata-se de um dos poucos passos que já damos, mas que é preciso avançarmos ainda mais no processo de desarquivar o regime civil-militar, através da abertura dos arquivos dos porões da ditadura, cujo conhecimento histórico deve respaldar a luta pela memória, justiça e por uma verdadeira redemocratização em nosso país.
* Taylan Santana Santos é historiador graduado pela UEFS, mestrando em história pela UNEB, pesquisador da história da ditadura civil-militar no Brasil.
Fonte – Carta Capital