31 de março de 1964, há 54 anos começava no Brasil “os anos de chumbo”
OUÇA O ÁUDIO
“UM POUCO DA TRISTE HISTÓRIA DE 31 DE MARÇO DE 1964
Está formada a Rede da Legalidade: Rádio Mayrink Veiga, sob nossa responsabilidade; Rádio Nacional do Rio, dirigida pelo companheiro Emilsom Fróes e dezenas de emissoras país afora.
Acompanhados por valentes colegas repórteres e técnicos que, como nós, protestam contra o golpe, documentamos, naqueles dias sombrios, os grandes momentos de tensão: transmitimos, da sede do Sindicato dos Metalúrgicos, no Bairro do Riachuelo, a palavra de ordem dos marinheiros ali amotinados e registramos reuniões nos clubes militares, da Marinha, Aeronáutica e Exército.
Nas ruas, percebíamos a presença dos adeptos de Carlos Lacerda, empunhando armas, identificados pelos lenços brancos e azuis, amarrados nos braços ou no pescoço.
Falava-se em guerra civil.
O presidente João Goulart preferiu o exílio no Uruguai para evitar uma carnificina. Nos estúdios das emissoras se revezavam, nos microfones, líderes do movimento de esquerda como Leonel Brizola; Miguel Arraes; Dante Pellacani, presidente da CGT (Comando Geral dos Trabalhadores); Demistóclides Baptista, conhecido como Batistinha, líder dos ferroviários e deputado federal do Partido Comunista; Paulo Schilling e o cabo Anselmo, presidente da associação dos marinheiros. Dirigentes de sindicatos de todo o país faziam uma linha direta com nossos estúdios. Manifestos eram lidos, palavras de ordem, endereçadas às suas categorias profissionais ali representadas e, até o deputado federal Tenório Cavalcanti – o homem da capa preta – da UDN (União Democrática Nacional), estava do nosso lado.
Gritos, muita exaltação, ameaças de invasão aos nossos estúdios.
Uma patrulha do Corpo de Fuzileiros Navais, sob o comando do tenente Leite, fazia a segurança do prédio nº 15, da Rua Mayrink Veiga, por ordem do almirante Cândido Aragão.
Pressão muito grande. Nossa resistência durou 16 horas, ou seja, até o fim do dia 1º de abril.
A Rádio Nacional foi tomada às 2 horas da manhã pelos lenços brancos e azuis – lacerdistas e homens do exército.
Caiu a trincheira da democracia!
Começa a prevalecer no país a transmissão das rádios, tomadas pelos militares, anunciando a fuga de Jango e de membros do seu governo.
Prisões são anunciadas; muitos de nós fugimos do provável fuzilamento; alguns conseguiram pedir asilo na embaixada uruguaia, no bairro do Flamengo. Vários presos foram torturados, outros, vitimas de fuzilamento sumário, mas nada foi divulgado.
O Brasil caía nas trevas!
Acabaram as garantias constitucionais!
O governador Carlos Lacerda vai à Ilha das Flores, reduto da Marinha, e liberta importadores de cereais, presos e acusados como sonegadores e ladrões do povo, consequência de ato de João Goulart.
Na Embaixada Uruguaia temos informações de atos de vandalismo, invasão de universidades e sindicatos, prisões de diretores e líderes.
A noite das trevas vai durar 21 anos!
São anunciados os primeiros atos institucionais. Estou entre os primeiros cassados pelo presidente Castello Branco e sou aposentado compulsoriamente.
Leonel Brizola resiste no Rio Grande do Sul, mas também é vencido.
Meses depois, alguns de nós deixamos o exílio, no Uruguai, e viemos tentar mudar esse quadro. Não conseguimos. Fomos presos, muitos foram torturados e mortos. (…)
Saulo Gomes
Presidente
ABAP – Associação Brasileira de Anistiados Políticos”
Trecho retirado do livro “A Coragem da Inocência – de Madre Maurina Borges da Silveira” de autoria de Frei Manoel Borges da Silveira, Saulo Gomes e Moacyr Castro
Veja também:
Do arquivo secreto do Dops: rádio transmite rebelião dos marinheiros em 64
Jango fez último discurso como presidente há 52 anos
Especial Cronologia do Golpe – EBC
ABAP – Associação Brasileira de Anistiados Políticos