Documento descreve corrupção como fator que provocava desmoronamento do governo militar e que seria tema usado nas eleições de 1985.
Um documento secreto da inteligência americana mostra que os Estados Unidos tinham conhecimento de que havia corrupção no governo militar que comandou uma ditadura no Brasil de 1964 até 1985. E que isso abalou a confiança da população no governo do último general-presidente daquele período.
Governo do general João Figueiredo: 1º de março de 1984.
Um telegrama confidencial é despachado da embaixada dos Estados Unidos no Brasil para Washington.
Em quatro páginas, um assunto que rendia manchetes nos jornais da época: corrupção. O documento foi revelado na edição desta segunda-feira (4), do jornal “O Globo”.
Logo na introdução, o texto afirma: “O Brasil é uma nação onde o ‘jeito’ – quer dizer, o famoso jeitinho – é rei”.
A mensagem descreve troca de favores, distribuição de cargos entre amigos e parentes e desrespeito às regras que, segundo a correspondência, são admiradas e esperadas na sociedade brasileira, e que, entre muitos oficiais, há uma forte crença de que os últimos 20 anos no poder corromperam os militares, especialmente do alto comando.
Mas a mensagem pondera que as acusações de corrupção são baratas e as provas difíceis de aparecer.
O relatório não apresenta documentos, se baseia em reportagens da época.
“Durante a ditadura militar, houve muita corrupção, mas não havia visibilidade da corrupção, por conta da censura política. Então, muita gente tem a imagem de que naquela época não havia corrupção, mas isso é uma ingenuidade completa”, explica o historiador Carlos Fico.
O telegrama descreve a corrupção como um fator que provocava o desmoronamento do governo militar e diz que este tema poderia ser usado nas campanhas de candidatos nas eleições de 1985.
Os diplomatas afirmam que havia acusações de corrupção contra os dois pré-candidatos à Presidência do partido do governo, o ex-governador Paulo Maluf e o então ministro Mário Andreazza.
Denúncias contra Delfim Netto, na época ministro do Planejamento, também são citadas. Delfim é acusado de receber até US$ 10 milhões em propina de bancos franceses favorecidos em contratos com estatais.
Esse documento foi enviado pelo governo americano à Comissão Nacional da Verdade, que não teve tempo de analisá-los.
“Houve corrupção no período da ditadura militar e a documentação que está aparecendo e ainda vai aparecer comprova isso de maneira claríssima. A democracia pode ter muitos defeitos, mas ela permite a investigação e ela permite que aqueles que são acusados e condenados por corrupção sejam presos e cumpram pena”, disse Pedro Dallari, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade.
Delfim Netto afirmou que o relatório sobre as suspeitas apontadas pelos americanos foi arquivado por não conter nenhuma verdade.
A defesa de Paulo Maluf não quis se manifestar.
O Ministério da Defesa afirmou que os telegramas são conhecidos pelo governo desde 2015 e que não há nenhum novo posicionamento a ser feito.
Fonte – G1