Publicado originalmente em 29 março 2021
A troca de comando do Ministério da Defesa, anunciada nesta segunda-feira (29/03) dentro de uma reforma ministerial, aumentou a preocupação sobre uma nova investida do presidente Jair Bolsonaro com objetivo de usar as Forças Armadas politicamente.
Em um anúncio surpreendente, o general Fernando Azevedo e Silva comunicou sua saída da pasta no início da tarde, sem explicar o motivo. Segundo apuração da BBC News Brasil, Bolsonaro pediu sua saída do cargo por estar insatisfeito com a falta de apoio das Forças Armadas a bandeiras do governo.
Azevedo é visto como um militar da ala mais moderada das Forças Armadas. Já de noite, o atual ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, considerado mais alinhado com o presidente, foi anunciado como seu substituto.
Nesta terça (30/03), comandantes das três Forças Armadas — Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) — devem se reunir com Braga Netto, recém-alçado ao comando da Defesa por Bolsonaro. A expectativa é que eles discutam pontos de atrito da gestão do presidente na pandemia do novo coronavírus. A conversa deve se concentrar especialmente nas tensões entre o palácio do Planalto e governadores.
De acordo com diferentes analistas, é possível que um ou mais comandantes coloquem seus cargos à disposição, o que traria novos contornos à crise política.
Ainda nas mudanças promovidas na noite de segunda-feira, a Casa Civil passou para o comando do general Luiz Eduardo Ramos, que estava na Secretaria de Governo da Presidência da República. Esse ministério, por sua vez, será chefiado pela deputada Flávia Arruda (PL-DF), esposa do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, condenado por corrupção — a nomeação abre espaço para o Centrão no coração do Palácio do Planalto.
Uma fonte com trânsito no Alto Comando das Forças Armadas afirma que o desgaste entre Bolsonaro e o agora ex-ministro Azevedo vem de longa data, principalmente devido à cobrança por parte do presidente de um “maior alinhamento” das Forças Armadas com seu projeto político.
“Azevedo e Silva não se propunha a ser uma correia de transmissão do que queria o presidente”, afirmou a fonte.
Dois eventos recentes, no entanto, teriam sido a gota d’água que levaram à demissão do ministro da Defesa. O primeiro teria sido uma entrevista concedida pelo general Paulo Sérgio, chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército ao jornal Correio Braziliense. Na entrevista, o general disse que o Exército já se prepara para uma terceira onda da covid-19. Bolsonaro teria pedido “a cabeça”do general, algo com que Azevedo e Silva não teria concordado, causando a demissão.
Um crescente isolamento do presidente também teria contribuído com a decisão de demitir Azevedo e Silva. A recente carta dos empresários e economistas com críticas à condução da pandemia e a resistência dentro do Congresso e do Judiciário a políticas do Executivo teriam feito, segundo essa fonte, com que Bolsonaro procurasse algum “respaldo nas Forças Armadas”.
“Mais isolado, o presidente quer o apoio da espada, leia-se, do Exército”, afirmou essa fonte que, no entanto, disse que tal atitude de Bolsonaro pode gerar alguma reação dentro das Forças Armadas.
“Isso vai aprofundar a crise, inclusive com os militares. Isso gera um efeito corporativo, de defesa da corporação”, disse.
Riscos para democracia?
Com a saída de Azevedo, há a expectativa de que o comandante do Exército, Edson Pujol, também peça demissão. Segundo o professor Juliano Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), ele também é visto como um militar mais moderado e sua troca seria “ainda mais preocupante que a de Azevedo”.
Isso porque, no Brasil, o Ministério da Defesa até hoje não assumiu de fato o controle das Forças Armadas — na prática, são os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que têm hierarquia sobre as tropas.
“Infelizmente, a gente não conseguiu implementar um controle democrático sobre as Forças Armadas do país (após a Ditadura Militar, encerrada em 1985). Então, a troca do Pujol, caso se concretize, me parece mais relevante nesse sentido de implementar uma visão menos institucional das Forças Armadas. O Ministério da Defesa não tem esse papel”, disse Cortinhas.
A pasta da Defesa foi criada em 1999 e era tradicionalmente chefiada por ministros civis. Desde o governo Michel Temer (2016-2018), porém, passou a ser comandada por um militar.
A continuidade dessa prática no governo Bolsonaro, assim como a inclusão de milhares de militares em outros cargos civis, de ministérios a cargos de segundo e terceiro escalão, aumentaram as críticas sobre uso político das Forças Armadas.
Para Cortinhas, a troca de comando do Exército por um general mais alinhado a Bolsonaro seria um sinal ruim para democracia, considerando o perfil autoritário do presidente, que em toda sua vida política exaltou a Ditadura Militar.
“Nenhum militar é completamente moderado. Todos que estão nessas posições de comando são conservadores, mas muitos deles não querem o envolvimento das Forças Armadas em um projeto autoritário. Há outras que aceitariam esse papel”, alerta.
“Um presidente autoritário, tendo no Ministério da Defesa, alguém como Braga Netto, por exemplo, que faz parte dessa vertente autoritária, tendo no Exército um comandante que aceita esse tipo de discurso, isso faz com que estejamos dando passou decisivos à quebra institucional e a implementação de um regime de exceção no país”, disse ainda, sobre a possível troca no comando do Exército.
‘Mesmo com Azevedo, institucionalidade estava comprometida’
Em sua nota de demissão, Azevedo destacou seu papel de preservação institucional das Forças Armadas: “Agradeço ao Presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses mais de dois anos, a oportunidade de ter servido ao País, como Ministro de Estado da Defesa. Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, dizia o comunicado.
Para Cortinhas, porém, ainda que Azevedo seja visto como mais moderado que outros generais, ele não cumpriu esse papel de proteger os militares do uso político.
“Eu interpretei esse trecho da nota mais como retórica porque ele de fato não manteve essa institucionalidade. Acho que ele foi um ministro da Defesa fraco”, criticou.
“Quando o Bolsonaro disse ‘minhas Forças Armadas’, o ‘meu Exército’, se ele tivesse realmente mantido essa institucionalidade das Forças Armadas, ele teria feito ali uma declaração aberta e pública de que as Forças Armadas não eram do presidente”, reforçou.
Fonte – BBC BRASIL