Marinha e Aeronáutica citaram a prisão de pai do presidente da OAB, contrariando Bolsonaro

Publicado originalmente em 30/07/2019

Depois de indicar que Fernando Santa Cruz foi executado na ditadura, Bolsonaro disse que opositor do regime foi morto por “grupo terrorista” de esquerda; relatórios oficiais desmentem

Relatório do antigo Ministério da Marinha cita prisão de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira em 1974 — Foto: Reprodução/Comissão Nacional da Verdade

Relatório do antigo Ministério da Marinha cita prisão de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira em 1974 — Foto: Reprodução/Comissão Nacional da Verdade

O antigo Ministério da Marinha entregou um relatório em 1993 ao então ministro da Justiça Maurício Corrêa afirmando que Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, foi preso em fevereiro de 1974.

Esse é o segundo documento oficial que contraria o presidente Jair Bolsonaro após ele mesmo se envolver em mais uma polêmica, nesta segunda-feira (29).

Ao reclamar sobre a atuação da OAB, no caso Adélio Bispo, autor do atentado à faca contra ele, Bolsonaro disse que poderia explicar ao presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz, como o pai dele desapareceu na ditadura militar (1964-1985). “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele”, atacou Bolsonaro.

“Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro”, completou em seguida.

Depois da repercussão negativa, Bolsonaro escreveu em uma rede social que não disse que Fernando de Santa Cruz foi morto por militares da ditadura, mas sim pela organização de esquerda Ação Popular do Rio de Janeiro, “grupo terrorista”, segundo o presidente.

Ainda na segunda-feira, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) divulgou um documento do antigo Ministério da Aeronáutica contradizendo a nova versão de Bolsonaro. O chamado “relatório secreto RPB 655”, do Comando Costeiro da Aeronáutica conta que o estudante de direito foi preso pelo regime em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, e desde então continua desaparecido.

No relatório entregue em 1933, depois de um ofício da Câmara solicitando informações sobre desaparecidos durante a ditadura, a Marinha conta que Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira “foi preso no RJ em 23/02/74, sendo dado como desaparecido a partir de então”.

Esses dois documentos foram entregues em 2012 pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos à Comissão Nacional da Verdade. Com base neles, o colegiado reforçou as investigações sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz.

Em entrevista ao G1, o último coordenador da Comissão da Verdade, o jurista Pedro Dallari, falou da atuação de Bolsonaro nesse episódio.

 “O papel do presidente Bolsonaro neste episódio é melancólico. O relatório da Comissão Nacional da Verdade mostrou, através inclusive do uso de dois documentos oficiais do governo brasileiro, um da Aeronáutica e outro da Marinha, que Fernando Santa Cruz foi preso e quando estava sob custódia das Forças Armadas desapareceu”.

A Comissão Nacional da Verdade concluiu que Fernando Santa Cruz foi “preso e morto por agentes do Estado brasileiro”. No relatório final sobre o caso à CNV, o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS-ES) Cláudio Guerra afirmou em depoimento, em 2014, que o corpo de Fernando Santa Cruz Oliveira foi incinerado na Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes (RJ).

O ex-sargento do Exército Marival Chaves Dias do Canto, que também prestou depoimento à comissão, disse que os presos Eduardo Collier Filho e Fernando Santa Cruz teriam sido vítimas a ditadura em um esquema de transferência de presos entre estados e foram encaminhados para locais clandestinos da repressão, como a Casa da Morte.

FONTE – GGN