Representante dos anistiados na Comissão de Anistia do governo federal, o advogado Victor Neiva pediu nesta quinta-feira (19) à ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) que ela retire o termo “anistia” do nome da comissão se “arbitrariedades” continuarem acontecendo no órgão.
O blog procurou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e aguardava resposta até a última atualização deste texto.
Como mostrou o blog, a comissão editou uma regra que pode excluir o advogado. Isso porque, segundo o novo entendimento do órgão, nenhum integrante pode atuar em processos na Justiça relacionados ao tema de anistia.
Apesar de ser direcionada a todos os integrantes do colegiado, a medida atinge principalmente Victor Neiva, único da comissão com a carreira de defensor de anistiados há mais de duas décadas. Ele atuou em casos como o do cartunista Ziraldo, perseguido na ditadura militar (1964-1985).
“Caso permaneçam as arbitrariedades em curso, peço que [Damares Alves] se digne a tomar providências no sentido de retirar da Comissão a que estou vinculado o termo ‘anistia’ para que o ministério faça o mesmo quanto ao termo ‘direitos humanos’ e para que a Comissão de Ética acrescente ao seu nome a palavra ‘seletiva'”, diz o e-mail escrito por Victor Neiva.
O advogado é o único representante dos anistiados entre os 27 integrantes da comissão.
Criação da regra
A nova regra foi criada após consulta do presidente do colegiado, Alexandre Magno Fernandes Moreira, ao conselho de ética do Ministério de Direitos Humanos com o intuito de evitar supostos conflitos de interesses dos integrantes da comissão.
Ao entrar no colegiado em abril, contudo, o representante dos anistiados já havia deixado de atuar em todos os processos que tramitavam no próprio órgão para evitar eventuais situações conflituosas.
No e-email a Damares, Neiva diz ainda que, se a comissão mantiver a nova regra, isso demonstrará um ato “absurdo e ilegal de perseguição”.
“Saliento ainda que, caso mantido o entendimento do voto apenas em relação a mim, entenderei, como imagino que todos os brasileiros com o mínimo de bom senso, que tanto o voto quanto a notificação consubstanciam apenas mais um ato absurdo e ilegal de perseguição”, afirma.
Atuação de advogados
Na mensagem, Victor Neiva questiona que advogados da União, também integrantes da Comissão de Anistia, podem vir a receber honorários advocatícios por defenderem o Estado em ações movidas pelo escritório dele em favor dos anistiados.
“Assim, uma vez que, caso vencedora a fazenda, receberão honorários das causas que patrocino, é uma evidência ofuscante que, pelas mesmas razões do voto, não têm condições de integrar o órgão”, aponta o advogado.
De acordo com o Victor Neiva, se a pena máxima de “censura” for aplicada pelo conselho de ética a ele por defender perseguidos da ditadura será uma “profunda honra”.
Após a criação da nova regra, o advogado recebeu o apoio público de 31 associações de anistia espelhadas pelo país.
Fonte – G1
Brasília, 17 de agosto de 2019.
Excelentíssima Senhor Ministra de Estado da Mulher, Família e Direitos Humanos,
Venho, em face do Ofício-Circular Nº 191/2019/GM.MMFDH/MMFDH, que, apoiado no Voto CES/MMFDH n° 1/2019 (0901523), informar que, desde estagiário e antes da própria edição da Lei 10.559/2002, patrocino causas de anistia perante o Judiciário. Além disso, saliento que, conforme tratativas prévias havidas com a sua assessoria, quando de minha indicação para integrar a Comissão de Anistia, renunciei a todos os meus mandatos em processos administrativos perante a mesma.
Nesse sentido e em resposta ao ofício, reitero o meu requerimento feito em face do Voto acima citado de requerer que seja desconsiderado o teor do Voto CES/MMFDH n° 01/2019 no que tange à representação dos anistiados na Comissão de Anistia, afastando o condicionamento de minha permanência à qualquer restrição de minha atividade profissional como advogado fora da Comissão. Afinal, como salientado naquela oportunidade, trata-se de peça de manifesta ilegalidade, eis que contrária ao artigo 27 do Estatuto da Advocacia.
Entretanto, caso mantido o entendimento, peço que o mesmo rigor seja estendido a todos os membros da Comissão e não apenas de forma seletiva à representação dos anistiados no órgão.
Com efeito, os Advogados da União, por exemplo, possuem interesse direto nas demandas, já que aproximadamente 20% (vinte por cento) de sua remuneração atualmente é composta de honorários advocatícios em demandas em que a União figure como parte. Assim, uma vez que, caso vencedora a fazenda, receberão honorários das causas que patrocino, é uma evidência ofuscante que, pelas mesmas razões do voto, não têm condições de integrar o órgão.
Ou seja, se o meu interesse, segundo fantasiosa elucubração expressa no referido voto, seria indireto manifestado em construir precedentes no órgão administrativo capaz de dirigir a jurisprudência das cortes superiores, o de advogados da União é direto, uma vez que, objetivamente, eles receberão honorários em todos os processos de anistia que seus colegas vencerem, atuando ou não nos processos.
Da mesma forma, o “rigor” ético a mim aplicado deve ser estendido àqueles que ocupam cargo de confiança na administração pública. Com efeito, podendo ser demitidos ad nutum, é absolutamente claro que não possuem a independência necessária para avaliar com imparcialidade fatos e provas em pleitos que são contra o interesse manifesto de quem os nomeou.
Atente-se, neste caso, que, ao contrário do que se aplica à representação dos anistiados, trata-se de causa de nulidade absoluta dos julgamentos, podendo, além de tornar inútil todo o trabalho de dezenas de pessoas, arruinar às custas do erário todo o processo de redemocratização cuja anistia é elemento fundamental.
Que ainda o “zelo” com a higidez processual seja aplicada para preservar daqueles que expuseram, com bílis, sua repugnância aos anistiados e afirmaram, em plena sessão, que estão no órgão para “contar o outro lado da história. Afinal, tudo pode ser dito, inclusive de maneira quiçá elogiosa deste interesse, se acadêmico ou espiritual. Jamais em julgamento de um caso concreto, em que a isenção de ânimo é condição sine qua non da ampla defesa, conforme tem sido decidido pelo STF, como, por exemplo, no MS25787, cujas razões do eminente ministro Gilmar Mendes cito:
Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5o, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos: 1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; 2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; 3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (Cf. PIEROTH; SCHLINK. Grundrechte -Staatsrecht II. Heidelberg, 1988, p. 281; BATTIS; GUSY. Einführung in das Staatsrecht. Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, no 85-99). Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que ele envolve não só o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwägungspflicht) (Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIGi. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, no 97). É da obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva o dever de fundamentar as decisões (Decisão da Corte Constitucional — BVerfGE 11, 218 (218); Cf. DÜRIG/ASSMANN. In: MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz-Kommentar. Art. 103, vol. IV, no 97).
Neste ponto, mostra-se absolutamente temerário aos direitos fundamentais quem se acha no direito de julgar por impressões pessoais, atribuindo a pessoas ou organizações a que vinculadas a pecha de “terrorista”, ainda mais em um processo sensível como o de Justiça de Transição.
Em face disso, informo que, exceto se afastados os membros da Advocacia Geral da União, os detentores de cargo de confiança e os com manifesto interesse em revisionismo histórico, me recuso seja a renunciar à minha atuação judicial em prol da anistia política ou ao exercício do mesmo múnus na condição de conselheiro da Comissão de Anistia.
Saliento ainda que, caso mantido o entendimento do Voto apenas em relação a mim, entenderei, como imagino que todos os brasileiros com o mínimo de bom senso, que tanto o Voto quanto a Notificação consubstanciam apenas mais um ato absurdo e ilegal de perseguição.
Nesta hipótese, me sentirei profundamente honrado caso me seja aplicada a pena máxima de censura, que é a maior prevista no ordenamento a ser aplicada por comissões de ética de ministérios. Honra esta transformada em verdadeira ressignificação existencial a partir do apoio manifestado pelas 31 (trinta e uma) associações de anistia que subscreveram a Nota de Repúdio em relação ao Voto CES/MMFDH n° 1/2019, e que penso se estender ao Ofício Circular que ora respondo.
Por fim, caso permaneçam as arbitrariedades em curso, peço que V. Exma se digne a tomar providências no sentido de retirar da Comissão a que estou vinculado o termo “anistia”, para que o Ministério faça o mesmo quanto ao termo “direitos humanos” e para que a Comissão de Ética acrescente ao seu nome a palavra “seletiva”. Afinal o mínimo que a sociedade merece é que os órgãos de Estado se apresentem corretamente perante ela.
Atenciosamente,