Comissão da Verdade mostra documentos que apontam ligação de Fiesp e Consulado dos EUA com tortura

Funcionário da Federação e diplomata visitavam o DOPS de madrugada, indica livro de registro

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo apresentou nesta segunda-feira (18) documentos oficiais do período da ditadura, encontrados no Arquivo Público do Estado, que apontam indícios de relações entre membros da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Consulado dos Estados Unidos com os órgãos de repressão do regime militar.  

Ao todo, são seis livros de registro de entrada e saída no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) — órgão criado em 1924 e utilizado durante o Estado Novo e a ditadura para reprimir movimentos contrários aos regimes de exceção.

Os livros analisados pela comissão abrangem o período de 1971 a 1979, porém com intervalos. O restante do registro desse período está perdido. A sede do DOPS, no bairro da Luz, serviu como centro de tortura, desaparecimento e assassinato de presos políticos.

Para o coordenador da Comissão da Verdade, Ivan Seixas, os documentos apresentados mostram que membros da Fiesp e do Consulado dos EUA colaboraram com a tortura “em grau mínimo por omissão”.

— Os documentos têm muita informação, não é só essa parte que foi exposta. E ainda vai aparecer mais coisa. Essa é a parte mais sensível que a gente percebeu. Estamos agora perguntando quem eram essas pessoas e o que elas faziam lá, mas já podemos concluir muita coisa. Em grau mínimo, elas colaboraram por omissão. Em grau máximo, conclua o que quiser.

Entre os nomes que aparecem com frequência nos registros — além de delegados, investigadores e membros do exército — está Claris Rowlei Halliwell, que aparece nos livros como representante do Consulado dos EUA.

A maioria de suas visitas ocorria no período da noite e, em muitos casos, não há registro do horário de saída, o que indica que ele passou a madrugada no DOPS. Isso porque o funcionário que marcava a presença das pessoas no prédio deixava o trabalho às 22h. Seixas questiona a conduta do então cônsul.

— Não é parte da rotina diplomática visitar aparatos repressivos ou centros de tortura e assassinato. Ele faz visitas frequentes até 1974, quando é transferido para o Chile. E depois aparece outro, não identificado, um Mr. Edwards, também do consulado.

Fiesp

No caso da Fiesp, o nome que aparece nos livros é o de Geraldo Resende de Matos, Em 24 de fevereiro de 1972, uma quinta-feira, por exemplo, ele entra às 18h35 e sai às 6h45 da manhã seguinte. Na sexta 25, entra às 18h20 e sai às 12h35 do sábado. Segundo Seixas, há mais de 300 registros da entrada de Geraldo no DOPS.

— Ninguém em sã consciência, em plena ditadura, iria dizer que é da Fiesp se não fosse. Por tantas vezes. Isso mostra que sempre houve uma relação entre o empresariado e a força de repressão. Não estamos falando em financiamento de tortura nem nada, mas queremos entender essa ligação. É no mínimo suspeito

A comissão disse que possui outros documentos que confirmam a tese, além de pessoas que participaram da repressão e estariam dispostos a colaborar. Seixas disse que já encaminhou pedido de explicações aos órgãos citados.

Em nota, a Fiesp alega que o nome de Geraldo Resende de Matos não consta dos registros como membro da diretoria ou funcionário da entidade. Leia abaixo a nota na íntegra.

“É importante lembrar que a atuação da Fiesp tem se pautado pela defesa da democracia e do Estado de Direito, e pelo desenvolvimento do Brasil. Eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados”.

O Consulado dos EUA não se manifestou.

 

Fonte – R7

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