São histórias que desnudam as relações Brasil-EUA durante a ditadura. Na semana passada eu falei sobre minha conferência na American University onde acentuei a cumplicidade americana no Golpe. Falei que o Golpe de Estado no Brasil foi apoiado pelos EUA no contexto da Guerra Fria. Os historiadores e os arquivos secretos desclassificados pelos Arquivos de Segurança Nacional mostram que antes do Golpe, Washington financiou as eleições de políticos regionais adversários do presidente João Goulart e encaminhou ajuda externa para governadores da oposição. No dia do Golpe (autodenominado revolução ou contrarevolução) o presidente Lindon Johnson e sua IV Frota Militar no Oceano Atlantico estava de prontidão para intervir diretamente para sustentar a insurgência militar no Brasil. Mas não foi preciso pois não houve reação social ou resistência do presidente Goulart. Gestões diplomáticas do embaixador Lincoln Gordon e apoio logístico do Pentágono assegurou o apoio ao Golpe. No dia seguinte ao Golpe Militar, Johnson reconheceu oficialmente o Governo Militar. A imprensa norteamericana também apoiou e elogiou a agenda anticomunista do “novo” governo. O governos Nixon-Ford (1969-1976) apoiaram abertamente os regimes militares na América Latina.
Por outro lado, logo nos primeiros anos da ditadura, jornalistas, intelectuais, estudantes, religiosos, artistas e congressistas norte-americanos, muitas vezes inspirados pela solidariedade cristã e na defesa dos direitos humanos, foram peças-chave no movimento internacional de repúdio à desumanidade da ditadura brasileira. Graças a incansáveis protestos nas universidades, igrejas e em parte da imprensa foram feitas denúncias sobre as graves violações aos direitos humanos no Brasil e sobre a falta de democracia. Isso ajudou a construir uma condenação moral internacional que colaborou para ativar a derrocada do regime militar. Os ativistas norte americanos ou brasileiros que viviam aqui, motivados pela situação política no Brasil e no restante da America Latina, ajudaram a reduzir o isolamento doa presos e perseguidos políticos brasileiros. Ajudaram a salvar vidas.
Hoje homenageamos oficialmente alguns deles. Dias atrás, militantes do Brasil agradeceram ao Chile por ter protegido tantos de nosso exilados. Desta vez agradecemos aos ativistas americanos. As fotos deles estão abaixo para que vocês os conheçam. E segue uma minibiografia de cada um. Alguns nunca pisaram no Brasil. Acalentam este sonho. São estes os homenageados:
Paul Silberstein havia retornado da prestação de serviço de “Peace Corps” no Brasil e foi estudar na Universidade da Califórnia, em Berkeley, quando assistiu ao filme “Brasil: Um Relatório sobre a Tortura” (1971 ), que documentou a tortura dos ex-presos políticos brasileiros exilados no Chile. Logo depois, se juntou a um pequeno grupo de brasileiros que estavam produzindo o Boletim Informativo Brasileiro, um boletim informativo que documentou abusos dos direitos humanos do regime militar. Trabalhando discretamente nos bastidores, Paulo era um editor do Boletim , que circulou entre os acadêmicos , membros do Congresso e outros interessados no Brasil. Publicado a partir de 1971 até 1976, o Boletim era uma voz consistente de oposição ao regime militar.
Harry Strharsky, e sua esposa Loretta Strharsky, conheceu Marcos Arruda em Washington, DC , em 1971, e rapidamente se tornou envolvido na organização de uma manifestação para protestar contra a visita do presidente brasileiro – general Médici – à Casa Branca de Nixon. Eles e outros formaram o Comitê Contra a Repressão no Brasil (CARIB) como um rosto público de suas atividades, que envolveu organizar protestos públicos, a construção de ligações com membros progressistas do Congresso, e apoiar a Comissão Bertrand Russell sobre a Tortura e Repressão no Brasil, Chile e América Latina. Harry Strharsky serviu como elo de ligação dos EUA para a Comissão e coordenou suas atividades norte-americanas.
Loretta Strharsky , junto com seu marido Harry Strharsky , fazia parte de um pequeno grupo de ativistas na área de Washington, DC, que estavam envolvidos em atividades anti- ditadura, no início dos anos 1970. Como parte da campanha para protestar contra a visita oficial do presidente general Médici para os Estados Unidos, Loretta concordou em ser fotografada em cenas de tortura simulada que foram exibidas na frente da Casa Branca. A co-fundadora e incansável membro do Comitê Contra a Repressão no Brasil ( CARIB ) e, posteriormente, a Frente Comum para a América Latina ( COFFLA), ajudou a sustentar esses grupos que serviram de ponto focal para as atividades de solidariedade latino-americanos em Washington, DC.
William Wipfler foi Diretor Associado e, em seguida, o Diretor do Departamento do Conselho Nacional de Igrejas da América Latina . Em 1970, ele levou uma série de documentos detalhando os abusos dos direitos humanos no Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Os casos que surgiram a partir dessas denúncias levaram a Comissão a declarar, em 1974, que o Brasil tinha sido responsável por graves violações aos direitos humanos. Um artigo de 1970 denunciando a tortura no Brasil , intitulado “Progresso a que Preço? ” e publicado no “Cristandade e Crise” foi uma acusação mordaz ao regime militar e ajudou a recrutar muitos clérigos e religiosos à causa dos direitos humanos no Brasil.
Marcos Arruda se envolveu em atividades políticas como estudante de Geologia no início dos anos 60. Depois de ter sido colocado na lista negra do trabalho como geólogo no Rio de Janeiro, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou em uma fábrica, a fim de ajudar a reorganizar o movimento sindical que havia sido dizimada depois do golpe militar de 1964. Em 1970 foi preso, acusado de atividades subversivas, e quase morreu sob tortura. Depois de ser libertado da prisão, se mudou para os Estados Unidos onde fundou o Comitê Contra a Repressão no Brasil e esteve envolvido em campanhas pelos Estados Unidos para denunciar o regime militar. Um artigo sobre sua prisão e tortura publicado no Washington Post, em 1970, ajudou a sensibilizar esse jornal a publicar um editorial contundente contra o governo brasileiro e criticar consistentemente o apoio do governo dos EUA à ditadura brasileira.
Jovelino Ramos é ministro presbiteriano aposentado, que era ativista das questões de justiça social no Brasil na década de 1960. Indiciado sob a Lei de Segurança Nacional por supostas atividades subversivas, ele veio para os Estados Unidos em 1968 e participou de diversas atividades na Costa Leste para educar o público dos EUA sobre as violações dos direitos humanos no Brasil. Estes incluíram angariar apoio para a declaração “Nós não podemos ficar calados”, que mobilizou o clero , os líderes dos direitos civis, e os indivíduos proeminentes para denunciar o uso da tortura em presos políticos no Brasil. Ele serviu como uma ligação importante entre as atividades anti-ditadura e a comunidade religiosa.
Aproveitamos e homenageamos também ao querido professor James N Green.
E amanhã na Columbia University uma outra solenidade homenagerá também:
Margaret Craham é Professora Emérita de História Latinoamericana no Hunter College, da Universidade da Cidade de New York. Enquanto estudante de pós-graduação na Universidade de Columbia em 1960, ela apoiou a campanha para denunciar a tortura e repressão no Brasil. Entre suas atividades esteve acompanhar o deputado Márcio Moreira Alves, quem havia tido cassado seus direitos políticos no Brasil em 1968, em uma excursão por faculdades e universidades na Costa Leste e no Meio-Oeste, na primavera de 1970, para educar os alunos sobre a política situação no Brasil.
Ralph Della Cava é Professor Emérito de História da América Latina do Queens College, da Universidade da Cidade de New York. Ele é um dos membros fundadores da “Amigos Americanos do Brasil” em Nova York em 1970, e um dos principais mobilizadores das campanhas para denunciar a tortura nos Estados Unidos na década de 1970 . Seu artigo “A tortura no Brasil”, publicado na revista Commonweal em abril de 1970, provocou uma polêmica com o ex-embaixador Lincoln Gordon, por revelar a cumplicidade de Gordon com a tortura que ocorreu no Brasil , logo após o golpe militar de 1964 . Co-organizador do dossiê “Terror no Brasil”, Ralph Della Cava esteve envolvido em todas as campanhas para denunciar abusos de direitos humanos no Brasil durante a década de 1970 .
E à distância também será lembrado o papel de Anivaldo Padilha que esteve envolvido no movimento de jovens da Igreja Metodista em São Paulo na década de 1960, bem como no movimento ecumênico progressista. Em 1970 ele foi preso e torturado por conta de seu envolvimento em atividades clandestinas contra o regime militar brasileiro. Através de conexões da igreja , ele conseguiu obter um visto para vir para os Estados Unidos, onde trabalhou na Califórnia para organizar campanhas anti-ditadura ao longo dos anos 1970. Além de ser um editor do Boletim Informativo Brasileiro, coordenou diversas atividades junto a um grupo diverso de estudantes brasileiros e ativistas norte-americanos.
Abraços a todos e todas,
Paulo Abrão