Mães de desaparecidos da ditadura esperam punição para torturadores

Quase 30 anos depois do fim do regime militar, Brasil ainda não esclareceu crimes

A ex-militante política Criméia Alice Schmidt de Almeida, de 66 anos, estava no sétimo mês de gravidez quando foi sequestrada por militares, em dezembro de 1972, ano em que o Brasil era governado por uma ditadura.

Criméia participou, em 2009, da comissão que acompanhou a localização dos corpos dos mortos na Guerrilha do Araguaia

Ainda grávida, ela foi torturada nos porões do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), em Brasília. João Carlos Grabois, hoje com 39 anos, nasceu na prisão, e segundo Crimeia também sofreu com as crueldades do regime.

— Ele [João Carlos] teve problemas. Teve problemas de desnutrição porque, para me castigarem, eles [os torturadores] tiravam meu filho de perto de mim. Diziam que iam dar para a adoção. Abusavam muito de tortura psicológica. Só quando ele estava bem mal, depois de três ou quatro dias, me devolviam para amamentar. Eles diziam que eu estava torturando ele.

Embora Criméia e o filho tenham sobrevivido, seu marido, André Grabois, é um dos quase 500 desaparecidos deixados pela ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985). Ele também estava na Guerrilha do Araguaia, como ficou conhecida a tentativa de militantes contrários ao regime de começar uma revolução socialista no interior Brasil.

Ao falar sobre a possibilidade de ver agentes da ditadura serem enquadrados pelo crime de sequestro permanente, como está tentando o Ministério Público Federal, Criméia se empolga. Segundo ela, julgar e punir torturadores e responsáveis pelos crimes do regime militar seria um presente para as poucas mães de desaparecidos políticos que ainda estão vivas.

— É um presente que muitas mães [de desaparecidos políticos] não vão poder receber porque já morreram. Mas, se um dia se fizer Justiça, e esses torturados forem condenados, esse seria o melhor presente do Dia das Mães que, aliás, já poderia ter chegado.

Uma dessas mães que ainda estão vivas e continuam a enfrentar a dor de não saber o que aconteceu com o filho é Maria Leonor Pereira Marques, de 83 anos. Seu filho mais velho, Paulo Roberto Pereira Marques, o Paulinho, saiu de casa com 19 anos. Na clandestinidade, adotou o codinome “Amauri” e também foi para o Araguaia. Passados 39 anos, dona Leonor ainda não recebeu sequer uma certidão de óbito.

— No começo, ele mandava cartas. Recebi duas. Minha única saída era rezar para que não acontecesse nada. Mas, quando parou de chegar [cartas], pensei ‘ai meu Deus’. E só quando a ditadura caiu nós ficamos sabendo do Araguaia. Até então, eu não podia saber onde ele estava.Para nós, da família, o governo não deu notícia nenhuma até hoje. Não deram atestado de óbito, nem nada.

 

Heleny Guariba

O cineasta Francisco Guariba, de 49 anos, viveu o sentimento contrário. Ele é filho da diretora de teatro Heleny Guariba, que sumiu com cerca de 30 anos no Rio de Janeiro.

Chico, como é conhecido, tinha entre sete e oito anos quando sua mãe foi presa pela segunda vez. Na primeira, Heleny ficou no presídio Tiradentes, em São Paulo.

Enquanto Heleny esteve detida na capital paulista, o cineasta a visitava acompanhado do pai. Sua mãe ficava em uma cela ao lado da hoje presidente Dilma Rousseff. As duas se conheciam porque militavam no mesmo grupo, o VRP (Vanguarda Popular Revolucionária).

— Ela foi presa em 1970. Eu me lembro de ir ao presídio Tiradentes. Foi lá até que a Dilma ficava. Inclusive numa cela do lado da dela [Heleny]. Elas ficaram lá na mesma época e eram bem amigas. Tanto é que agora quando ela [Heleny] foi homenageada pelo governo, foi a Dilma que acabou entregando um prêmio de honra ao mérito para mim e para a minha filha. E ela comentou que se lembrava de mim pequenininho.

No entanto, ao contrário de Dilma, Heleny foi solta e pouco tempo depois, quando se preparava para deixar o País, acabou sequestrada novamente. Nesta segunda vez, ela teria sido levada para uma prisão em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, que ficou conhecida como Casa da Morte. Segundo Francisco, a única pessoa que conseguiu sair viva do local disse, posteriormente, que a mãe dele também foi vista lá, antes de desaparecer.

— Houve todo um processo de procura, o processo mais doloroso, para saber se ela estava viva ou morta. Claro que a dúvida era mais nossa, das crianças, e não dos adultos. A gente ficava com esse vazio porque não sabia se ela tinha morrido ou não. Ela podia ter ido embora, para outro País.

 

Fonte – R7

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