Publicado originalmente em 30/03/2022 - 17:44 / Atualizado em 31/03/2022 - 10:48
O advogado Sobral Pinto defendeu os chineses, acusados de serem “espiões do comunismo internacional” Foto: / Arquivo/22-12-1964
O caso, engavetado desde então, voltou aos holofotes nesta quarta-feira, quando João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de encerramento definitivo da ação penal contra os chineses, sete deles já mortos. A ação da época foi suspensa, mas não encerrada.
— Esse processo foi montado para gerar a comoção popular para justificar o golpe militar — explica o advogado Victor Neiva, autor do processo de habeas corpus para trancar a ação penal. — Dentre as razões para condenar os chineses, o próprio juiz diz que “os indícios [para a prisão] não teriam maior expressão, mas no momento em que a gente vive é prova de que são culpados”.
Na verdade, como contado no livro “O caso dos nove chineses” (editora Objetiva), os detidos viviam legalmente no Brasil. Dois eram jornalistas (Wang Weizhen e Ju Qindong), quatro vieram montar uma feira de produtos da China (Su Ziping, Hou Fazeng, Wang Zhi e Zhang Baosheng) e três estavam no país para comprar algodão (Wang Yaoting, Ma Yaozeng e Song Guibao).
Com eles, a ditadura apreendeu bens e dinheiro (cruzeiros, dólares, francos suíços e uma pequena quantidade de rublos), que nunca foram devolvidos. O montante ficou sob a guarda do Banco do Brasil, que nunca explicou o que aconteceu com os recursos. Além do encerramento do caso, o processo de habeas corpus também pede a liberação dos bens.
O caso foi o primeiro escândalo internacional de violação dos direitos humanos da nascente ditadura militar brasileira. O Brasil nunca pediu desculpas, mas na China eles se tornaram heróis nacionais e ficaram conhecidos como Nove Estrelas. Apenas dez anos depois, Brasil e China restabeleceram relações diplomáticas, mas o incidente ficou esquecido em arquivos secretos.
Em 2015, durante o governo da presidente Dilma Rousseff — que também foi presa e torturada durante a ditadura — o caso foi incluído no relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Em agosto daquele ano, Dilma assinou um decreto concedendo a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul aos chineses, uma forma, ao menos simbólica, de pedir desculpas pelo crime. Em dezembro de 2014, uma portaria do governo revogou o decreto de expulsão dos chineses, que ainda estava em vigor e os transformava em pessoas não gratas no Brasil.
Mas as medalhas até hoje estão esquecidas em uma gaveta da embaixada brasileira em Pequim e não foram entregues aos agraciados. Hoje, apenas dois deles estão vivos: o jornalista Ju Qindong, da agência Xinhua, um dos mais torturados; e Su Ziping, da missão que pretendia montar uma exposição comercial de produtos chineses no Brasil. Ambos têm mais de 90 anos.
— O que mais espanta é esse engavetamento desde 1965. Como se esse caso, que justificou uma ditadura de mais de 20 anos, não fosse importante — diz Neiva, que foi representante dos anistiados na Comissão de Anistia do governo federal. — Houve um casuísmo espantoso no julgamento, que evidencia a necessidade de se ocultar o que foi a ditadura militar. Até hoje continuam falando em ameaça comunista no Brasil e fomentando medidas que legitimam as arbitrariedades. A deia é enterrar a ditadura, fingir que ela ou não aconteceu ou que foi necessária.