Jovens mobilizam-se contra Lei da Anistia

Em frente à empresa de segurança privada Dacala, na zona sul da capital paulista, dezenas de militantes do Levante Popular da Juventude protestam contra o proprietário, David dos Santos Araújo, ex-agente de repressão do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna (DOI-Codi). Com o microfone em mãos, a estudante Lira Alli ataca Araújo, o capitão Lisboa. “O dono desta empresa é um torturador. É importante que todas as pessoas que moram aqui perto saibam. Ele assassinou, estuprou, prendeu e torturou pessoas que lutavam contra a ditadura”. O protesto, realizado em 26 de março, destinou-se a marcar os 48 anos do golpe militar.

Quase dois meses depois, às vésperas da instalação da Comissão da Verdade, em Brasília, o jovem Edison Rocha Junior é um dos que protestam no Guarujá (SP) em frente ao prédio onde mora o tenente coronel reformado Maurício Lopes Lima, apontado como torturador na Operação Bandeirante da presidente Dilma Rousseff e de Frei Tito. “Estamos aqui para denunciar à vizinhança e à sociedade que neste endereço, no apartamento 23, mora um torturador”, diz Junior. As palavras foram repetidas por dezenas de manifestantes. No protesto, na segunda-feira, jovens pixaram “Aqui mora um torturador no apartamento 23 A” e colocaram faixa no edifício com a mesma inscrição.

Lira Alli, de 23 anos, e Edison Rocha Junior, de 26 anos, são dois dos articuladores do Levante Popular da Juventude, que promove atos conhecidos como “esculachos” contra torturadores e agentes de repressão da ditadura. O grupo realizou dois grandes protestos nacionais. No primeiro, em março, fizeram ações em dez Estados. No segundo, nesta semana, em onze Estados. Em ambos, reuniram centenas de jovens. Em março, participaram também de protesto organizado pelo cineasta Silvio Tendler no Clube Militar, no Rio de Janeiro.

O movimento divulga na internet a foto, o endereço e a acusação contra agentes da repressão militar e cobra punição. “Não queremos fazer justiça com as próprias mãos”, diz Lira. “Não é uma ameaça direta aos torturadores. Mas não quero morar ao lado de um torturador, estuprador”, afirma Junior.

O grupo de jovens, ligado à Via Campesina, começou a se organizar no Rio Grande do Sul em 2006 e ganhou força em 2011, com a participação de estudantes secundaristas, universitários e jovens da periferia. Muitos já participavam de outros movimentos sociais, como Junior e Lira, que se conhecem há dez anos. No início do ano, um acampamento do Levante Popular da Juventude reuniu no Rio Grande do Sul mais de 1,2 mil pessoas.

Com a instalação da Comissão da Verdade, as manifestações devem se intensificar. Para integrantes do Levante Popular da Juventude, se não houver pressão popular a comissão corre o risco de ser esvaziada. “Quando os crimes forem se revelando, vai ficar cada vez mais clara a necessidade de Justiça. A verdade pede a justiça. A Comissão da Verdade foi criada só para esclarecer o que aconteceu. Por isso é preciso pressão popular para cobrar a punição”, analisa Junior.

Os protestos são organizados na surdina, para que militares, os “alvos” dos jovens, não desarticulem as manifestações. “Garantir o sigilo é fundamental. Se as informações vazarem, isso pode nos prejudicar”, explica Junior. “Protestamos contra militares aposentados, figuras perigosas”, afirma. Um grupo pequeno, de três a sete pessoas, fica responsável por descobrir o endereço dos agentes que atuaram na repressão na ditadura e por mobilizar os jovens em todo o país. Um dia antes – ou mesmo horas antes- do protesto, esse grupo se reúne com os manifestantes, diz quem será o alvo da vez e dá instruções. As redes sociais são usadas com moderação. “As conversas têm de ser olho no olho, à moda antiga”, diz Junior. Os gastos com os protestos são poucos, com a compra de tinta para as pixações e faixas. Os recursos são arrecadados com a venda de camisetas e uma “vaquinha” entre os participantes.

Diferente de outros movimentos que lutam pela punição dos torturadores, formado por familiares de ativistas mortos pelo regime militar e desaparecidos políticos, grande parte dos integrantes do Levante Popular da Juventude não teve parentes mortos ou torturados. A maioria também não é vinculada a partido. “Temos outras bandeiras de mobilização. Nossa pauta é a memória e a justiça, mas foi a defesa da punição dos torturadores que nos tornou mais conhecidos”, explica Junior. “Acho que esse protesto [de expor os agentes da repressão] é algo novo”. Analista de suporte de informática, o jovem afirma ter participado de protestos contra o genocídio da juventude negra, luta por cotas nas universidades e por melhores condições de vida na zona leste de São Paulo, onde vive, entre outros.

Junior, no entanto, lembra que seu pai, morto em 2002, foi preso pelo regime militar quando trabalhava como metalúrgico no ABC paulista. “Ele era da comissão de fábrica da Ford e foi preso sob acusação de dano ao patrimônio. Os operários sofriam uma repressão diferente. Eram acusados de crimes comuns, não de subversão. Não eram considerados presos políticos”. Lira diz ter convivido com amigos de seu pai, militante do movimento estudantil, que foram perseguidos e torturados.

“Mas a nossa luta não é por um sentimento pessoal. É uma questão política”, diz Junior. Os dois jovens, tidos como os porta-vozes do movimento, veem reflexos na sociedade da falta de punição aos torturadores. “A polícia continua a militar. Essa é uma das principais causas da violência contra a juventude pobre e negra da periferia”, analisa Lira. Junior reforça: ” Isso abre espaço para que a Polícia Militar, para que e grupos especiais da PM se tornem máquinas de matar. A não investigação de grupos de extermínio da polícia é fruto da ditadura. Ninguém faz nada contra quem tortura e mata”.

Na luta pela punição dos torturadores, Lira diz que a pergunta mais frequente que ouve é: “Por que você não vai combater a corrupção?”. “Digo para essas pessoas que se organizem e lutem contra a corrupção se é isso que lhes importa. Cada um elege sua prioridade. Para nós agora é o momento oportuno para se reescrever a história do Brasil”.

 

Fonte – Valor

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