Carlos Araújo “A luta armada foi ingênua e equivocada”

Ex-marido da presidenta Dilma Rousseff relembra o período da ditadura, fala o que espera da Comissão da Verdade e diz que os juros no Brasil são um escândalo

REVELAÇÃO
Torturado pelos militares, Carlos Araújo conta que chegou a planejar o suicídio

Mesmo morando em Porto Alegre, a mais de dois mil quilômetros do Palácio do Planalto, o advogado Carlos Franklin Paixão Araújo é conhecido como o principal confidente da presidenta Dilma Rousseff, sua ex-mulher e mãe de sua filha Paula. Conheceram-se durante a luta contra a ditadura militar, quando juntos participaram de grupos de esquerda. Filho de pai comunista, Carlos Araújo possui uma longa trajetória de ativismo político. Fez parte das lendárias Ligas Camponesas e militou no meio sindical, antes de entrar para a chamada esquerda armada à qual, curiosamente, tece críticas. “Não renuncio a nada. Mas a posição política dos grupos armados foi um equívoco, uma atitude política ingênua.” Em 1970, foi preso pelo regime. Após um dia inteiro de tortura, planejou seu suicídio quando viu que não ia mais aguentar. Porém, como diz, vacilou: “Atirei-me embaixo de uma Kombi e fui levado para o hospital.” Foram cerca de quatro anos de périplo por cárceres. Hoje, aos 74 anos, confia que a Comissão da Verdade pode trazer esclarecimentos sobre um dos períodos mais nebulosos da história brasileira.

“A Rosa Maria defendeu centenas de presos políticos. Não foi apenas uma advogada minha ou da Dilma”

“Sabia que a Dilma era mineira, mas não sabia seu nome nem  que estudava economia, muito menos quem era a família dela”

 

ISTOÉ – O sr. acha que a Comissão da Verdade deve investigar também a esquerda armada?

CARLOS ARAÚJO – Quem se envolveu na luta armada já foi julgado. A participação de todos já foi esclarecida. Se o trabalho da Comissão da Verdade é trazer à tona os acontecimentos desse período, uma parte já está resolvida: aquela dos que lutaram contra a ditadura. Os processos estão na Justiça Militar para serem examinados.

ISTOÉ – Qual é a sua avaliação sobre os nomes escolhidos para integrar a Comissão da Verdade?

CARLOS ARAÚJO – Foi uma escolha correta. É uma comissão ampla, que tem também membros ligados a partidos de oposição. Mas na qual predomina o caráter jurídico, com juízes ou advogados, ou personalidades muito vinculadas aos direitos humanos. A Comissão da Verdade tem de colocar nos anais da nossa história todos os acontecimentos desse período para que a sociedade conheça e tire suas conclusões. Não é possível que um povo desconheça a sua história. Em sua maioria, a repressão agia de forma clandestina. Os barbarismos, assassinatos, torturas e desaparecimentos eram escondidos.

ISTOÉ – A escolha da advogada Rosa Maria Cardoso, que atuou na defesa da presidenta Dilma e na sua, foi criticada por grupos de militares.

CARLOS ARAÚJO – A Rosa defendeu centenas de presos políticos. Não foi apenas uma advogada minha ou da Dilma. O José Carlos Dias, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique que está na comissão, também atuou em diversos casos. Alguns até junto com a Rosa. É porque não se questiona a nomeação dele que foi um brilhante defensor de presos políticos? É por que ele foi ministro do Fernando Henrique?

ISTOÉ – Parte da esquerda costuma condenar aqueles que falaram sob tortura. Documentos da Comissão da Verdade não podem vitimizar essas pessoas?

CARLOS ARAÚJO – Esses acontecimentos já foram esclarecidos. Já constam nos processos dos arquivos da repressão.

ISTOÉ – E os casos que ainda não apareceram?

CARLOS ARAÚJO – A comissão vai focar nos agressores e não nas vítimas. Mas uma pessoa sob tortura é capaz de tudo. É uma coisa tão bárbara, tão absurda que não dá para criticar alguém que fale durante a tortura.

ISTOÉ – E a questão dos desaparecidos políticos?

CARLOS ARAÚJO – Os familiares estão em busca de seus filhos, maridos, pais até hoje. É necessário que a sociedade esclareça isso.

ISTOÉ – Qual é a sensação de saber que quem lhe torturou está livre?

CARLOS ARAÚJO – Não tenho revanchismo de absolutamente nada. Só acho que os fatos têm de ser esclarecidos. Para mim, o fundamental é que tudo o que aconteceu seja colocado à luz do dia.

ISTOÉ – A anistia para os agentes da ditadura que torturaram, mataram deve ser revista?

CARLOS ARAÚJO – Essa questão da revisão ou não é uma decisão do Supremo, que diz que os crimes estão prescritos. É o que está valendo. Agora, se isso vai ser revisto ou não, é bem complicado. É uma decisão jurídica que deve ser respeitada.

ISTOÉ – E moralmente?

CARLOS ARAÚJO – Do ponto de vista ético, acho que todos eles devem ser julgados.

ISTOÉ – O que o levou a entrar para a luta armada?

CARLOS ARAÚJO – Eu era um ativista sindical. Com a ditadura, o arrocho aumentou muito. Tentávamos fazer várias greves, lutas para melhorias de salário e condições de trabalho, mas sempre sofremos uma repressão violenta. Diante desse quadro de não poder reivindicar, de não ter nenhuma chance, entrei na luta armada por não poder fazer atos justos e pacíficos.

ISTOÉ – Quais eram as funções do sr. e da sua ex-mulher, a presidenta Dilma, na organização armada Var-Palmares?

CARLOS ARAÚJO – Em todas as organizações do tipo como a que nós militávamos havia o setor militar e o político. Eu e a Dilma trabalhávamos no político junto a sindicatos, associações. Por isso, nós não participamos de ações armadas, embora pertencêssemos à organização. Como eu era um dos dirigentes, assumo a responsabilidade pelos atos. Fui um dos que decidiram que era para fazer a ação do cofre da dona Ana Capriglione (dr. Rui, como era conhecida a amante do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros).

ISTOÉ – É verdade que o sr. só soube o nome de sua então companheira, Dilma Rousseff, quando ela foi presa em 1970?

CARLOS ARAÚJO – É. Naquele tempo, os jornais ainda divulgavam a identidade dos presos. Nós já vivíamos juntos. Eu sabia que ela era mineira, mas não sabia o nome dela nem que era estudante de economia, muito menos quem era a família dela. Ela também não sabia o meu nome nem nada a meu respeito. Era uma questão de segurança na época.

ISTOÉ – Meses depois, o sr. foi preso.

CARLOS ARAÚJO – Uma pessoa tinha sido presa e, sob tortura, contou que se encontraria comigo. Fui pego às 7h30 da manhã nas imediações do campo do Palmeiras, em São Paulo, pela equipe do Fleury. A tortura começou ali mesmo. Eles atiravam a gente dentro do carro e davam choques. Levaram-me para o Dops e passei o dia inteiro sendo torturado.

ISTOÉ – Foi quando veio a ideia de se suicidar?

CARLOS ARAÚJO – Quando vi que não ia aguentar, resolvi que a única coisa digna a fazer era me matar. Inventei que teria um encontro com o Lamarca no outro dia. Escolhi uma rua na Lapa, em São Paulo, onde era fácil para eu me suicidar. Passavam muitos caminhões, ônibus. Aí, né, vacilei, resolvi me atirar embaixo de um carro, talvez não morresse e ficasse só bastante machucado para ter de ir ao hospital. Atirei-me numa Kombi e fui levado para o Hospital das Clínicas e, em seguida, para o hospital militar.

ISTOÉ – Houve tortura no hospital?

CARLOS ARAÚJO – No primeiro dia tentaram, mas as freiras não deixaram. Passei lá oito dias e depois fui transferido para a Oban. Lá me torturaram, mas, depois desse tempo, eu já não era mais um preso tão interessante.

ISTOÉ – Foram quantos anos de prisão?

CARLOS ARAÚJO – Eu tinha mais de cinco processos. Todos com as mesmas acusações: luta armada contra a ditadura. Consegui ganhar em todos os Estados com exceção de São Paulo, onde fui condenado por quatro anos. Recorri, mas o Tribunal Militar manteve a sentença.

ISTOÉ – A sua família e a da Dilma se aproximaram nesse período?

CARLOS ARAÚJO – Foi uma coisa muito interessante. As mães saíram em busca dos filhos e com isso acabaram se conhecendo e, de certa forma, se politizando. Elas começaram, inclusive, a batalhar para reconhecerem a nossa união junto ao Dops, pois os presos casados podiam receber visitas juntos. Depois de muita batalha, o Dops deu um jeito de fazer um processo administrativo para atestar que nós vivíamos juntos antes de sermos presos. Na verdade, o pessoal até brinca que a nossa certidão de casamento foi assinada pelo delegado Romeu Tuma.

ISTOÉ – Hoje, qual é sua avaliação da luta armada?

CARLOS ARAÚJO – Foi um equívoco, uma atitude política ingênua. Agora, eu quero dizer que não renuncio a nada. Tenho orgulho de ter participado, sinto-me honrado.

ISTOÉ – Qual era o rumo certo?

CARLOS ARAÚJO – Quem teve a posição que mais correspondia à realidade foi o MDB. A história mostrou isso com a grande vitória eleitoral que ele teve em 1974.

ISTOÉ – Com uma trajetória de ativista sindical e das Ligas Camponesas, o sr. acha que os movimentos sociais perderam parte de seu viés crítico com a chegada do PT ao poder?

CARLOS ARAÚJO – Quando você tem um governo que corresponde às aspirações dos movimentos sociais, é natural que haja por parte dos movimentos não uma diminuição de sua participação, mas do empenho.

ISTOÉ – Isso não compromete a função dos movimentos sociais?

CARLOS ARAÚJO – Olha, o MST faz críticas, o meio sindical faz críticas. Volta e meia há críticas. Mas elas têm dificuldade de prosperar, pois as bases sociais não as recepcionam.

ISTOÉ – Atualmente, o sr. vem se dedicando a estudar a era Vargas. Há comparações entre esse período e o atual?

CARLOS ARAÚJO – No seu discurso de posse em 1930, Getúlio propõe a existência de uma democracia política, econômica e social. Um tipo de capitalismo com ampla participação social e em que o Estado seria o indutor da economia. Acho que todas as consignas de Vargas são na prática assumidas no governo Lula já em um estágio posterior.

ISTOÉ – O sr. inclui nesse cenário a medida da presidenta Dilma de reduzir os juros por meio dos bancos estatais?

CARLOS ARAÚJO – Os juros brasileiros são abusivos realmente. Comparados ao resto do mundo, são um verdadeiro escândalo. Como você vai desenvolver o processo capitalista com os juros na estratosfera? Não existe lugar algum em que os bancos ganhem como no Brasil. Há a necessidade de eles se adequarem.

 

 

Fonte – Isto É

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