Grandino Rodas não está preocupado com a posteridade. Ou, se está, sua posteridade lembrará a República Velha de Arthur Bernardes, para quem os conflitos sociais eram caso de polícia. Além de explorar o assassinato de um estudante como pretexto para ampliar a presença da Polícia Militar na Cidade Universitária do Butantã, a gestão Rodas vem desfechando, desde então, uma verdadeira “caça às bruxas”, que inclui expulsão de alunos, demissão de sindicalistas, reintegração de dependências da USP com recurso de força policial e, last but not least, espionagem.
Esta última revelada em primeira mão pela revista Fórum de janeiro, sem que a Reitoria tenha, até agora, procurado desmentir ou contestar o teor da denúncia. A mesma edição de Fórum traz uma entrevista exclusiva do reitor (realizada antes de chegarem à revista os documentos sobre a espionagem), de sorte que não se poderá alegar irrelevância da publicação, que chegou mesmo a ser visitada por Rodas.
À Revista Adusp o professor Alberto Carlos Amadio, chefe de gabinete do reitor, negou a existência da “Sala de Crise” mencionada em relatório confidencial produzido pelos espiões. Amadio minimizou, ainda, a importância de mensagem eletrônica, rica em detalhes sobre os movimentos atuantes na USP, que lhe foi enviada em outubro de 2011 por Ronaldo Pena, então diretor da Guarda Universitária e do antigo setor de segurança da USP (SOV), a propósito de uma reunião do Conselho Universitário que ainda estava por acontecer. Contudo, em declaração a Fórum, Pena admitiu a existência dos papéis sigilosos e da própria “Sala de Crise”. Qual dos dois estará enganado?
Num país capitalista de democracia sólida, a revelação de que a Reitoria de uma universidade pública se pôs a espionar alunos, funcionários e docentes, ademais fazendo ingressar no campus, com essa finalidade, pessoas estranhas a ele, sem dúvida desencadearia uma onda de indignação e as medidas legais compatíveis. Mas estamos no Brasil. Se a PM espiona os movimentos sociais; se as Forças Armadas continuam a fazê-lo, como nos “bons tempos”… por que não a Reitoria?, devem imaginar alguns burocratas, nostálgicos da Assessoria Especial de Segurança e Informação, a AESI, que durante a Ditadura Militar se instalou ao lado do gabinete do reitor.
Neste contexto que começa a se tornar opressivo, surge mais uma novidade: a contratação de três coronéis reformados da PM para tocar a recém-criada Superintência de Segurança da Universidade. Tão negativa foi a repercussão desse fato que o USP Destaques, boletim oficial da Reitoria, tratou de maquiá-lo, dando a seguinte manchete: “Novo superintendente de Segurança é especialista em gestão comunitária e direitos humanos”… Só no terceiro parágrafo o leitor descobrirá que Luiz de Castro Júnior, o “especialista em segurança”, foi “diretor de Polícia Comunitária da PM” e agora é “oficial reformado”, em momento algum do texto aparecendo a informação de que se trata de um coronel, mais alta patente dessa corporação.
Esta edição já se encontrava fechada quando tomamos conhecimento de que os alunos detidos na reintegração de posse da Reitoria, em 2011, e os que foram desalojados da Coseas em fevereiro passaram a receber da Reitoria, no início de abril, “mandados de citação e intimação” para depor em processos disciplinares individualizados. Em portarias do reitor, também individualizadas, se lê que cada jovem intimado está sujeito “à pena disciplinar de eliminação”, conforme o decreto 52.906, de 1972. As intimações trazem a advertência, obviamente ilegal, de que “o não comparecimento implicará em revelia e confissão acerca da matéria de fato”. Oitenta e cinco estudantes estão nesta situação.
Tornou-se intolerável a política de intolerância da gestão Rodas.