Vítimas cobram Comissão da Verdade

Saia-justa. Acima, o ex-militante do PCBR José Maria Galhassi faz cobranças ao membro da comissão José Carlos Dias. Paulo Sérgio Pinheiro, Wadih Damous e Gilson Dipp na mesa da audiência

A primeira audiência pública da Comissão Nacional da Verdade no Rio ocorreu ontem em clima de cobrança. Ex-presos políticos, parentes de mortos e desaparecidos, além de militantes da causa, lotaram o auditório na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) para pressionar os membros da comissão, especialmente, sobre o sigilo mantido nos depoimentos colhidos até agora.

– Estamos aqui solicitando que todas as audiências sejam publicadas. Não podemos continuar colocando sob sigilo notórios torturadores. Por exemplo: Cláudio Guerra vai à comissão, presta um depoimento que ele já escreveu no livro “Memórias de uma guerra suja” e dá sete nomes de membros da repressão que a sociedade desconhece até hoje. Precisamos conhecer todas as falas – reclamou Cecília Coimbra, integrante do Tortura Nunca Mais-RJ e ex-presa política.

Os ativistas também cobraram que as vítimas da ditadura, assim como suas famílias, sejam ouvidas pela comissão, e que os trabalhos apresentem mais resultados na tentativa de elucidar casos de mortes e desaparecimentos políticos. Por fim, queixaram-se da falta de comunicação entre eles e os integrantes da comissão nestes três primeiros meses de existência do grupo.

Os membros da comissão justificaram o sigilo como necessidade para não atrapalhar as investigações.

– Às vezes, é um pouco chocante ouvir de companheiros da mesma luta, principalmente de gente que sofreu no período, um tom acusatório como se o nosso sigilo, necessário para uma investigação, fosse da mesma ordem do que ocultava na época coisas feias, horrorosas – rebateu Maria Rita Kehl, um dos membros da Comissão Nacional da Verdade. – Mesmo sendo uma comissão de Estado, é outro Estado – concluiu.

A vice-presidente do Tortura Nunca Mais-RJ, Elizabeth Silveira e Silva, irmã do desaparecido político Luís Renê Silveira e Silva, cobrou a execução da sentença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos na qual o Brasil foi condenado pelos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.

Outro membro da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, que atualmente também preside a Comissão Internacional de Investigação para a Síria, reforçou a posição dos colegas de trabalho e ainda fez um apelo aos presentes para que estivessem atentos aos poderes da CNV. Ele afirmou que também deseja o cumprimento da sentença do Araguaia, mas que o grupo não pode perder tempo esperando que o Estado brasileiro a coloque em vigor.

– Não é um bando de bocós que está aqui… aproveitemos a oportunidade, nos utilizem ao invés de nos colocarem contra o muro – desabafou Paulo Sérgio Pinheiro, ao responder à plateia sobre o fato de a comissão não ter poderes para punir torturadores.

Pinheiro disse que nenhuma das 40 Comissões da Verdade instaladas em outros países teve poder de punição.

 

CNV apura crimes de estado

O advogado e membro da comissão José Carlos Dias foi abordado pelo ex-militante do PCBR José Maria Galhassi sobre uma declaração dada logo após a instalação da CNV. Na ocasião, Dias teria dito que os trabalhos investigariam “os dois lados”. Dias negou:

– Não disse isso. Não disse isso… Nenhum crime tem que ficar impune. A comissão vai apurar os crimes cometidos pelos agentes de Estado – defendeu-se.

Entre os presentes no auditório estavam ainda os ex-presos políticos Victória Grabois e Ana Miranda, além do advogado Modesto da Silveira, que defendeu vários militantes durante a ditadura. A única sobrevivente da Casa da Morte em Petrópolis, Inês Etienne Romeu, também compareceu.

– Estou emocionada e espero que o trabalho da comissão seja sério – afirmou Inês.

O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, pediu o tombamento do prédio onde funcionou o DOI-Codi na Tijuca e da Casa da Morte, em Petrópolis. A ideia é criar nesses locais e no antigo Dops, na Rua da Relação, espaços de memória. Ele entregou depoimentos de sobreviventes da ditadura.

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