‘A pior tortura era a psicológica’, diz viúva de Vanderley Caixe

Advogado não conseguia abrir a boca após ser submetido a sessões de choques elétricos durante a noite toda

Ayala Rocha, viúva de Vanderley Caixe, participou nesta sexta-feira de sessão da Comissão da Verdade na OAB de Ribeirão e falou sobre tortura (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

Vanderley Caixe passou por sessões de tortura com choque elétrico durante toda a noite. Antes disso, já havia sido espancado e colocado no pau de arara por diversas vezes. Pela manhã, Áurea Moretti, companheira de luta e tortura, lhe entregou um copo de leite, mas não conseguiu tomar: a eletricidade havia enrijecido seus músculos e ele não conseguia a abrir a boca.

“Mas a pior tortura, para ele, era a psicológica”, lembrou Ayala Rocha, viúva de Vanderley, em sessão da Comissão da Verdade da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Ribeirão Preto, nesta sexta-feira (22).

Ela contou que, ao ser jogado na cela após mais uma sessão de tortura, Vanderley ouviu dos agentes da Oban (Operação Bandeirantes): “a próxima vez será com a sua mãe”. Em seguida, escutou a voz de uma mulher sussurrando desesperada: “socorro, meu filho, socorro”.

“Ele ficou desnorteado e buscou algo para se matar. Como não havia nada na cela, quebrou uma pasta de dente e tentou serrar seus pulsos, mas não teve sucesso”, lembrou Ayala. A voz, provavelmente, vinha de uma gravação.

 

Luta

Vanderley lutou pelos direitos dos camponeses desde os 16 anos. Em Ribeirão, foi um dos principais expoentes da Faln (Forças Armadas de Libertação Nacional), lutando contra a ditadura militar. Preso em 1969, foi torturado e levado ao presídio de Tiradentes.

Foi lá que Ayala conheceu o futuro marido. “Ele estava com dentes quebrados, bigode arrancado e tremia muito. Mas sua voz tinha uma imensa força”.

Força que Vanderley manteve ao deixar a prisão, cinco anos depois. Antes disso, ajudou a promover duas greves de fome – uma delas durou 33 dias no Presídio Venceslau.

Ao voltar para Ribeirão, em 1974, ele encontrou uma cidade que não era mais combativa. “As pessoas atravessavam a rua para não cruzar com ele”, relatou Ayala.

Mudou-se para o Rio de Janeiro e, depois, para a Paraíba, atuando pelos Direitos Humanos e em prol dos camponeses.

Em 1994, retornou a Ribeirão, e entre outras atividades, prestou assessoria jurídica ao MST (Movimento dos Sem Terra). Morreu aos 68 anos, em 13 de novembro de 2012, após complicações decorrentes de um acidente.

“Fracos ou fortes, o importante é que participamos, esse era seu lema”, ressaltou Ayala.

Igreja católica alertou sobre assassinato

A pergunta “quem é Vanderley Caixe?” estampava vários cartazes colados por João Pessoa, capital da Paraíba, em 1976. Em seguida, vinha o alerta para a trajetória do “perigoso terrorista”, que estava no município coordenando o Centro de Defesa dos Direitos Humanos.

Em plena ditadura militar, Vanderley auxiliava os camponeses na luta por melhores condições de trabalho e por terra.

Por isso, levantou a ira dos poderosos locais. Em uma das ameaças, seu carro foi incendiado. Depois, a igreja católica alertou para um plano dos usineiros para assassiná-lo.

“Foi um líder que lutou até a morte pelos Direitos Humanos e por quem mais precisava”, resume Ayala, respondendo à pergunta dos cartazes.

Comissão da Verdade da OAB 12ª Subsecção de Ribeirão Preto, ouve depoimentos/Foto: Edna Gomes

 

Componentes da mesa – da esquerda para a direita:

 

Eduardo Silveira Martins

Saulo Gomes

Vanderley Caixe Filho – depoente

Ayala Rocha – depoente

Feres Sabino – Presidente da Comissão da Verdade

Rubens Zaidan

Anderson Romão Polverel

 


Fonte – Jornal A Cidade

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *