Radicais de direita ameaçam de morte brasileiro que combateu ditadura no Uruguai

Jair Krischke, ativista ameaçado de morte no Uruguai com outras 12 pessoas, avalia que ação é intimidatória: “fizemos coisas que incomodaram”

Conhecido por ajudar militantes contrários à ditadura do Uruguai a conseguirem asilo político, o ativista gaúcho Jair Krischke, de 78 anos, recebeu ameaças de morte de um grupo paramilitar de extrema-direita do país vizinho, chamado Comando Barneix, que chegaram até ele no último dia 17. A embaixada brasileira em Montevidéu foi comunicada e o governo uruguaio já iniciou investigações.

Membros do Comando Barneix teriam enviado um e-mail ao procurador de Justiça uruguaio Jorge Díaz com as ameaças voltadas a 13 pessoas, utilizando uma plataforma que dificulta o rastreamento. Investigado por crimes cometidos durante a ditadura, o general Pedro Barneix suicidou-se em 2 de setembro de 2015, mesmo dia que a polícia foi à sua casa para levá-lo preso pelo homicídio político do ativista Aldo Perrini, em 1974. Ele dirigiu a Inteligência Militar durante a ditadura uruguaia (1973-1985).

A lista de ameaçados pelo comando foi publicada no semanário Brecha, cuja equipe comunicou Krischke. Na lista constam ainda nomes de outros dois estrangeiros: o jurista francês Louis Joinet e a pesquisadora de Oxford, Francesca Lessa, natural da Itália.

“Essas ameaças são para mim novos desafios. Só os loucos não têm medo. Por parte desses fascistas é um reconhecimento da minha luta. Quando eles nos ameaçam estão colocando medalhas no nosso peito. Fizemos coisas pelos direitos humanos que incomodaram”, diz Krischke, que é presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos. “Temos uma arma terrível para eles, que é a verdade. Ela é imbatível. Vamos à luta!”

No e-mail recebido pelo procurador de Justiça e reproduzido no jornal Brecha o grupo de extrema-direita diz que “o suicídio de Barneix não ficará impune, não se aceitará. Nenhum suicídio a mais pelos processos injustos. Para cada suicídio a partir de agora, mataremos três escolhidos ao acaso”, ao que se seguem os nomes, entre os quais o de Kirschke.

O humanista acredita que as ameaças do grupo paramilitar têm também relação com a morte do ministro da Defesa uruguaio, Eleutorio Fernández, em agosto do ano passado, que era conhecido por acobertar crimes militares. Fernández chegou a dissolver o Tribunal de Honra, instância na qual os militares eram julgados e recebiam penas como perda de patentes e de aposentadorias. Após sua morte, o órgão foi reaberto.

O Ministério do Interior do Uruguai encaminhou um ofício ao cônsul geral do Brasil no país comunicando a ameaça. “As autoridades brasileiras e uruguaias sabem o que está acontecendo e vão tornar isso algo oficial”, espera Krischke. “Essa ameaça deve chegar ao governo uruguaio que deve punir os responsáveis”, reivindica.

JAIR KRISCHKE

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou ontem (1o), em nota, as ameaças de mortes realizadas no Uruguai contra juristas e defensores de direitos humanos e exige que o país adote “medidas urgentes para assegurar a segurança dos operadores de Justiça”.

Para o órgão, as ameaças têm como objetivo “amedrontar e fazer pressão para afetar a imparcialidade e a independência” do trabalho dos ameaçados. “As ameaças e os ataques contra operadores de Justiça costumam ocorrer quando eles têm em suas mãos casos que são de grande relevância nacional e que envolvem graves violações de direitos humanos.”

Krischke avalia que o trabalho que realiza na proteção de direitos humanos desde os anos 1970 desagrada o Comando Barneix. O ativista já ajudou a refugiar pelo menos 2 mil pessoas na Europa durante as ditaduras uruguaias e argentinas.

“Querem amedrontar todos. Eles nomeiam algumas pessoas, mas existem milhares envolvidas na luta pelos direitos humanos. É uma ação intimidatória a todos aqueles que, com mais ou menos participação, estão nessa luta”, diz. “Olhando nossa América Latina vemos que estamos vivendo tempo muito difíceis, um fim de um ciclo e claro que todos os cidadãos em exercício pleno da cidadania devem estar muito atentos, porque nesses momentos se faz um caldo de cultura que pode parir coisas muito ruins. É um momento crítico e temos que fazer frente.”

Em 2005, Krischke descobriu que o ex-coronel uruguaio Manuel Cordero, acusado de participação no desaparecimento de 11 pessoas e do sequestro de uma criança, entregue para um policial argentino, se escondia em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Ele foi denunciado e em 2010, Cordero foi extraditado e acabou sendo condenado a pelo menos 20 anos de prisão.

O ativista denuncia que o Comando Barneix tem realizado diversos atentados e roubos no Uruguai. Em um deles, membros do grupo paramilitar invadiram o prédio da Universidade de Montevideu e roubaram discos rígidos de computadores com documentos da equipe de antropologia forense que está desenterrando cadáveres de desaparecidos da ditadura.

Os demais ameaçados são: o ministro da Defesa do Uruguai, Jorge Menéndez; o fiscal de Corte Jorge Díaz; a diretora do Instituto Nacional de Direitos Humanos do país, Mirtha Guianze; os advogado Juan Errandonea, Pablo Chargoñia e Óscar López Goldaracena, defensores de vítimas de homicídios políticos; o ativista Federico Álvarez Petraglia, que apresentou denúncias de 28 mulheres por abuso sexual, enquanto estavam detidas legalmente no exército; o advogado Juan Fagundez, defensor de uma causa judicial contra dezenas de militares por tortura; a ativista Hebe Martínez Burlé, que apresentou à Justiça o caso pelo qual o ex-ditador Juan María Bordaberry foi preso; e quatro membros do Observatório Luz Ibarburu, que dá seguimento às denúncias por violações de direitos na ditadura.

Fonte – Rede Brasil Atual

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *