Moro diz que ditadura militar foi ‘um grande erro’ e ‘não há dúvida disso’

Durante homenagem, juiz reafirmou que Lava-Jato caminha para o fim em Curitiba

Cerca de quinze dias depois do secretário de Economia e Finanças do Exército, general Antonio Hamilton Mourão, defender a intervenção militar como resposta à corrupção no país, o juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, Sergio Moro, disse nesta segunda-feira que a ditadura militar foi um erro na história brasileira.

— Os cidadãos brasileiros recuperaram em 1985 todos os seus direitos e liberdades democráticas, depois de 20 anos de ditadura militar. As Forças Armadas tiveram um importante papel na história do Brasil — disse o juiz, mencionando o papel das tropas para a independência do país e integração territorial.

O juiz, então, continuou:

— Mas este período da ditadura militar foi, e não há dúvida disso, um grande erro.

Mais tarde, em entrevista a jornalistas, o juiz explicou melhor seu ponto de vista:

— A resposta aos males democráticos, como a corrupção, é o aprofundamento da democracia. Eu acredito que este é o caminho a ser seguido.

Durante a homenagem, Moro disse acreditar que “apesar de nossas liberdades”, de algum modo “falhamos como povo para prevenir abusos do poder público para ganhos privados”.

Em discurso, mais uma vez o juiz disse acreditar que “a Lava-Jato está chegando ao fim”, ainda que existam “casos relevantes” para julgamento em Curitiba.

Para o magistrado, investigações sobre contratos da Petrobras estão perto de se encerrarem porque “as pessoas que pagavam, a grande parte já foi processada; as pessoas que receberam e não tinham foro privilegiado, igualmente”. Desde o ano passado o juiz relata cansaço pelo trabalho acumulado pela operação.

— Grande parte do trabalho já foi feita. (…) Os esforços de combate à corrupção não dependem mais de Curitiba — afirmou.

Provocado por uma jornalista a comentar a menção a seu nome em pesquisas de intenção de voto para a presidência divulgadas no fim de semana, o juiz negou considerar a hipótese de ser candidato:

— Não existe expectativa. Pesquisa que incluiu meu nome, no fundo, perde tempo, porque não vai acontecer. Simples assim. Eu tenho uma carreira profissional na magistratura e pretendo persistir nessa carreira.

Moro não quis comentar a liderança de Lula nas pesquisas:

— Sou um juiz fazendo meu trabalho, o que acontece fora da corte não é minha responsabilidade.

Durante seu discurso, o magistrado citou Joaquim Nabuco e comparou o combate contra a corrupção à luta pela abolição da escravatura no país:

— Nunca nos renderemos à corrupção. A era dos nossos barões da corrupção está chegando ao fim e o império da lei está chegando ao Brasil.

Ao ser perguntado se a provável blindagem da Câmara dos Deputados à segunda investigação sobre o presidente Michel Temer era uma ameaça a este prognóstico otimista, preferiu não responder:

— Essa pergunta tem consequências políticas, não me sinto confortável para respondê-la, peço desculpas. Não é o único caso, lembre-se de que durante o processo de impeachment da presidente Dilma Roussef, nunca fiz declarações. Por isso não pretendo fazer declarações sobre este tema.

PREMIAÇÃO

Moro discursou durante o recebimento de uma homenagem da Universidade de Notre Dame, localizada no estado de Indiana, nos Estados Unidos. O juiz recebeu o Prêmio Notre Dame, criado em 1992, durante almoço realizado em São Paulo.

O prêmio já homenageou figuras como o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, o vencedor do Prêmio Nobel da Paz, John Hume, o líder dos direitos civis norte-americano Leon Sullivan, e Madre Teresa de Calcutá, entre outros.

De acordo com a universidade, o reconhecimento é dado, periodicamente, a “homens e mulheres cuja vida demonstram dedicação exemplar aos ideais pelos quais a universidade preza”, como a “fé, investigação, educação, justiça, serviço público, paz e atenção com os mais vulneráveis.”

Em texto divulgado nesta segunda-feira, o reitor da instituição de ensino, o reverendo John I. Jenkins, afirmou que o Moro é homenageado “por seus valentes esforços” para preservar a “integridade do país através de sua aplicação firme e imparcial da lei”. Não há menção às críticas recebidas pelo juiz no país.

Durante seu discurso, o reverendo Jenkins disse que, graças a Moro, “o Brasil, em vez de ser infame pela corrupção, tornou-se um farol no resto do hemisfério sobre como lutar contra ela”.

O texto divulgado pela universidade lembra que o juiz foi incluído na lista de 100 pessoas mais influentes do mundo da revista “Time” e classificado como 13º líder mais influente do mundo pela revista “Fortune”.

Recorda também que o magistrado participou em 2007 do Programa de Liderança para Visitantes Internacionais do Departamento de Estado dos EUA, pelo qual visitou agências e instituições americanas responsáveis pela prevenção e combate à lavagem de dinheiro.

Fonte – O Globo/02/10/2017