Escritora da Brasilândia fala na França sobre o bairro durante a ditadura

Com uma obra sobre a vida na periferia de São Paulo durante a ditadura militar, a escritora Sonia Regina Bischain, 60, participou de  um debate em uma das mais importantes universidades do mundo, a Sorbonne de Paris, no mês passado.

Moradora da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, ela recebeu o convite por conta do livro “Nem Tudo é Silêncio”, que conta a história de quatro gerações de mulheres que viram a formação do bairro.

Ela aborda como a região surge com uma população empurrada para locais cada vez mais distantes do centro e que também vive os períodos de turbulência política na ditadura militar.

O livro chegou às mãos de Regina Dalcastagnè, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília. Por meio dela, o pesquisador Paulo Thomaz teve conhecimento do texto e citou o livro fora do país. “Mais tarde, resolveram fazer na Sorbonne um evento sobre literatura e ditadura no mundo”, conta Sonia, que também é fotógrafa e escreveu outros três livros.

A autora aponta que o período ditatorial brasileiro é marcado por muitos livros que abordavam o tema e marcaram época dentro da literatura como “As Meninas”, de Lygia Fagundes Telles e “Quarup”, de Antônio Callado.

“O diferencial é que todos os outros livros foram escritos por intelectuais de classe média que se exilaram, e com o pessoal da periferia isso nunca foi contado. Por isso, acabei sendo convidada para contar a vida de pessoas comuns que também foram atingidas”, ressalta.

Na obra, o romance aborda a vida de mulheres do bairro e tenta fazer um paralelo entre a vida na periferia e o momento vivido no país.

Sonia (a segunda à esquerda) em debate na Sorbonne (Acervo pessoal).

Durante a participação, ela também apresentou o poema Travessia, de sua autoria. “Tento esquecer a hora trágica dos que sucumbiram, dos que não chegarão a lugar algum. Tudo ficou no passado, a vida me cabe nas mãos. Levo apenas memórias, ou o que delas restou: feridas na alma”.

Apesar de ter estudado minimamente francês ainda na infância, Sonia sentiu incertezas em relação ao convite, pois temia as barreiras culturais e linguísticas.

“Naturalmente, ela ficou bastante assustada quando foi convidada pra falar na Sorbonne ao lado de estudiosos e intelectuais. [Mas] superou o medo”, diz Flávia Bischain, 32, professora do ensino médio da rede pública e filha da autora.

“Ela não tem ensino superior, mas soube desenvolver em nós o gosto pela leitura e pelos estudos. Sempre leu muito e escreve muito. Seus romances mostram um pouco da sua visão sobre fatos importantes da história, a formação do nosso bairro, as pessoas que conheceu e um pouco dela mesma: mulher da periferia, que sempre levou o mundo nas costas”, ressalta a filha.

POESIA PERIFÉRICA

Desde cedo, Sonia esteve envolvida com cultura na Brasilândia. Hoje ela é uma das coordenadoras do Sarau da Brasa, um dos mais populares eventos literários da região, que já existe há nove anos.

“Nós começamos a trabalhar nas escolas também, muita gente que organiza sarau é professor da rede pública e levou a ideia para seus alunos”, afirma.

Ela mostra otimismo quanto à importância do sarau em despertar o interesse nos estudantes pela cultura. “Existem muitos depoimentos de jovens que não gostavam de ler e nem de escrever, mas se identificaram quando começaram a ler os livros e poemas do pessoal do sarau, pois é a realidade que conhecem. O clássico está um pouco longe deles”, conclui.

Fonte – Ronaldo Lages – correspondente da Brasilândia onaldolages.mural@gmail.com – Folha de S.Paulo