Banco Central promete abrir atas da ditadura

Instituição diz, no entanto, que sigilo bancário a impede de liberar tudo

O Banco Central (BC) vai colocar as atas do Conselho Monetário Nacional (CMN) da época da ditadura disponíveis no site através do programa “Transparência Ativa” até o fim do ano. Porém, segundo o presidente Ilan Goldfajn, uma parte continuará tarjada porque o sigilo bancário tem tempo indeterminado.

A instituição negou ao historiador Carlos Fico, da UFRJ, acesso às atas do CMN, como revelou o jornal O Globo na edição deste domingo, apesar de o professor ter pedido as atas por meio da Lei de Acesso à Informação. Fico conseguiu, recorrendo à Controladoria-Geral da União (CGU), um acesso paulatino e parcial. Até agora recebeu apenas os índices das atas das reuniões do CMN de 1964-1985, e mesmo assim eles vieram com alguns itens tarjados de preto.

“Tenho zero vontade de ajudar a ditadura e muito menos evitar que os documentos sejam estudados. Vamos fazer o que for possível para divulgar o máximo. Se ficar algo excluído será 1%”, disse ontem Ilan Goldfjan.

O presidente do BC afirmou que vai determinar que todos os itens tarjados sejam olhados cuidadosamente para verificar se eles estão mesmo sob sigilo bancário. “Não posso ferir a Lei Complementar 105, do sigilo bancário, mas sei que, se houver subsídio, recursos públicos envolvidos, não está sob sigilo e neste caso será liberado”, afirmou.

Força-tarefa depois do Carnaval

Na verdade, vieram itens tarjados que claramente têm dinheiro público envolvido, como o da reunião do dia 1º de agosto de 1984, com três operações de benefícios fiscais através do BRJ, Banco Lavra e Bamerindus.

O Banco Central censurou informações de instituições que não existem mais, como essas. Há uma operação de 1° de setembro de 1972 registrada assim: “Financilar – Lume Cia de Crédito Imobiliário – Pedido de autorização para sub-rogar-se em crédito da Caixa Econômica Federal junto (tarja longa) e na dívida correspondente junto ao Banco Nacional de Habitação”. O Banco Lume quebrou em meio a um escândalo, o BNH foi fechado deixando um rombo público, e a operação ocorrida há 45 anos é censurada pelo Banco Central.

“Eu teria o maior prazer de entregar se a lei for mudada para se dizer que, “quando houver interesse histórico, pode-se liberar”. Podemos mudar a lei, mas não quebrar a lei. E ela diz que o sigilo tem tempo ilimitado”, argumentou Ilan.

O Banco Central montará, depois do carnaval, uma força-tarefa para ler todas as atas e disponibilizá-las. O presidente da instituição disse que pode liberar até mais rapidamente do que a CGU prometeu ao historiador — sete de cada vez. Pode ser dez ou mais. Mas a decisão tomada, a partir da divulgação, é publicar no site do BC, até o fim deste ano, todas as informações que não estiverem sob sigilo bancário.

Fantasma do AI-5

É possível que os procuradores e advogados do BC, consultados pelo presidente Ilan, tenham feito uma interpretação exagerada do que esteja sob a cobertura do sigilo bancário. Instituições e empresas que não existem mais fizeram operações em favor de pessoas que já morreram.

Como impedir que isso seja acessado no meio de uma pesquisa histórica? Além do mais, como o próprio presidente do BC disse, tudo o que envolver algum tipo de subsídio público pode ser divulgado. Ninguém ia ao CMN pedir recursos privados. Obviamente, em cada item daquele financiamento, aval para empréstimo externo, permissão para não recolher compulsório, ou benefício fiscal, havia dinheiro público envolvido.

Até agora tudo que o historiador recebeu foram os índices das reuniões. E uma das curiosidades das tarjas do Banco Central é que até o AI-5 não há itens censurados. Nos anos 1970, pior tempo da ditadura, há cortes. E eles se estendem até o fim do regime. É como se o fantasma do AI-5 ainda assombrasse o Banco Central.

“Garanto que ninguém olhou sob a ótica do AI-5, mas quando aparecia o nome de alguém ou alguma empresa foi preciso tarjar. Vou fazer todo o esforço para divulgar, mas infelizmente continuará sendo tarjado tudo que envolver sigilo bancário. Não quero processo sobre o Banco Central, nem sobre mim, por ferir a Lei Complementar número 105. É o único limite que coloco”, disse Ilan.

Fonte – Época