O ex-ginecologista Eduardo Vela, acusado de participar de um escândalo envolvendo adoções ilegais de crianças durante a ditadura de Franco, foi considerado responsável pelos crimes nesta segunda-feira (8) em Madri. No entanto, o médico foi absolvido após sua defesa ter alegado a prescrição dos fatos.
O tribunal informou em um comunicado que ficou “provado de forma incontestável no julgamento que o doutor Vela entregou a bebê (Inés Madrigal, atualmente com 49 anos) para adoção fora dos canais legais e sem que conste que tenha mediado consentimento nem sequer conhecimento por parte dos progenitores da recém-nascida”.
No entanto, mesmo se o médico, hoje com 85 anos, foi acusado de “detenção ilegal, suposição de parto e falsidade em documento oficial”, as juízas consideraram que “na data da apresentação da denúncia, em abril de 2012, os delitos estavam prescritos”.
Considerado um dos principais membros do escândalo de tráfico de crianças denunciado há décadas na Espanha, Vela era acusado de ter separado Inés Madrigal de sua mãe após o parto, em 1969, e falsificado sua certidão de nascimento antes de entregá-la à Ines Perez, uma mulher estéril.
Médico poderia ser condenado a uma pena de 11 anos de prisão
“Tenho uma sensação agridoce”, afirmou Inés Madrigal, ao indicar que estava “contente” com o reconhecimento na decisão das ações do doutor Vela. O advogado da demandante, Guillermo Peña, anunciou recorrer da decisão junto ao Tribunal Supremo, alegando que “não pode prescrever um delito quando alguém não é consciente de ser vítima do mesmo”, em referência ao fato de que Madrigal soube apenas em 2010 da existência da rede de roubo de bebês, que pode ter afetado milhares de famílias durante a ditadura.
Em sua decisão, as juízas tomaram como ponto de partida o ano de 1987, quando Madrigal completou a maioridade (18 anos) e sua mãe confessou que não era sua progenitora. Assim, as magistradas consideraram os crimes prescritos.
A Promotoria solicitara pena de 11 anos de prisão para Vela, além de uma indenização de € 350 mil, por privar a denunciante de sua “identidade biológica e social”. O médico trabalhava na clínica San Ramón de Madri, onde em junho de 1969 entregou o bebê com documentos falsos. Um padre jesuíta foi o mediador da operação.
Mais de 2.000 casos foram arquivados
Apesar de seus esforços, Inés Madrigal não conseguiu descobrir nada sobre a identidade de seus pais biológicos. Vários anos depois, ela se tornou a primeira demandante que conseguiu levar a julgamento um caso do tipo na Espanha, onde entre 2.000 e 3.000 denúncias similares foram arquivadas por falta de provas ou prescrição dos fatos.
Em um capítulo menos conhecido da ditadura franquista (1939-1975), estas crianças eram retiradas de seus pais após o parto e declaradas mortas, sem a apresentação de provas. Em seguida, eram adotadas por casais estéreis, de preferência próximos ao regime franquista, e geralmente com a cumplicidade da Igreja Católica.
O tráfico perdurou inclusive na democracia, pelo menos até 1987, por razões econômicas.
Fonte – AFP/RFI