Legislativo pode subsidiar trabalho da Comissão da Verdade

Funciona há dois meses na Câmara dos Deputados a Comissão da Memória que, em julho, pretende promover um seminário internacional para discutir a Operação Condor. Nos últimos meses, nas três esferas do Poder Legislativo estão surgindo comissões da verdade como apoio político para o funcionamento da Comissão Nacional da Verdade. Criada no ano passado, a comissão só teve seus integrantes indicados na última quinta-feira (10).

“Essas decisões de estimular que cada assembleia tenha sua comissão da verdade é fundamental. Acho que não existe nenhuma unidade da federação que não tenha uma história importante para ser resgatada”, afirma o ex-secretário de Direitos Humanos do governo Lula, Nilmário Miranda.

Na Câmara dos Deputados, no final do ano passado, foi criada a Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, que funciona no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Para a coordenadora do grupo, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a Comissão da Câmara é uma contribuição do Parlamento ao resgate da memória. “Entendemos que seria positivo que a Câmara pudesse colaborar com a Comissão Nacional da Verdade, se antecipando a ela, podendo ter iniciativas de ouvir pessoas que participaram do processo naquele tempo. Tanto pessoas ligadas ao regime quanto opositores ao regime”, explica. A parlamentar explica que, além de ouvir as pessoas, a comissão vai analisar documentos que estão espalhados em arquivos pessoais e institucionais.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Domingos Dutra (PT-MA), a iniciativa da comissão pretende inibir a reação de setores militares que não querem que se saiba o que ocorreu no regime militar. “Por outro lado, vamos também fazer a reparação e passar a limpo toda a história envolvendo o Parlamento no processo de cassação de direitos de parlamentares como Rubens Paiva e servidores do Poder Legislativo”, explica.

“Nada mais justo que a Câmara tenha uma comissão que acompanhe e colabore com a Comissão da Verdade. Porque ela vai muito além do que se propõe hoje. A história já mostrou que as comissões começam de um jeito e terminam de um jeito mais avançado do que iniciou”, avalia Nilmário Miranda.

 

Depoimentos na comissão

Com dois meses de funcionamento, a Comissão Parlamentar da Memória já coleciona depoimentos e documentos de relevância doados por entidades da sociedade civil. Alguns depoimentos podem contribuir na busca de corpos das vítimas da Guerrilha do Araguaia. No início de abril, dois militares que serviram no confronto e um civil morador da região contaram aos deputados, em sessão secreta, detalhes sobre o episódio ocorrido em 1972.

“Eles trouxeram fatos, episódios, experiências contundentes pelas quais passaram no Araguaia. Eram recrutas do Exército que passaram por torturas, por sevícias. Saíram com problemas físicos, sequelas graves ao serem treinados para matar e desaparecer com os corpos. Foram depoimentos fortes e convincentes, e esclarecedores para um início de busca dessa verdade. De outro lado, tem um rapaz cuja família morava no local. Ele foi vítima de uma bomba que explodiu e o deixou sem um braço, abalado emocionalmente e com a vida destruída”, conta a deputada Luiza Erundina.

Os nomes não foram divulgados por segurança. Mas um dos depoentes teria revelado onde poderiam ser encontradas as ossadas. “Essas três pessoas viveram diretamente e trazem no corpo o trauma profundo e chagas que não saram. Essa comissão recebeu com muito respeito esses cidadãos de coragem.”

Erundina agora quer fazer audiências públicas no Araguaia. Ela quer ouvir os moradores da região que foram vítimas sem participar diretamente da guerrilha ou das Forças Armadas. E em julho, a Comissão da Memória fará um seminário internacional sobre a Operação Condor.

 

Documentos

A comissão parlamentar também avançou muito na coleta de documentos. Jair Krischke, da organização Movimento da Justiça e Direitos Humanos, foi um dos que entregaram papéis que podem ajudar nas investigações.

“Os documentos que entreguei se referem à Operação Condor e nomeiam os agentes. Quem estava operando. No primeiro caso, a pessoa sobreviveu. Ficou sete anos preso no Brasil. Mas no segundo caso, é um desaparecido. Diz que um avião da FAB foi ao aeroporto de Ezeiza (Argentina) às três da manhã buscar essa pessoa e às seis decolou para a Base Aérea do Galeão. Onde está o corpo de Edmur Péricles Camargo? Essas pessoas que estão nomeadas no documento devem dizer porque sabem.”

Krischke também sugere que o Brasil peça aos Estados Unidos toda a documentação que diga respeito ao período da ditadura brasileira. “Lá existem fartos documentos. Há uma atitude muito tímida do Brasil. A Argentina pediu e recebeu.” A Câmara já enviou pedido ao Ministério das Relações Exteriores para que solicite os documentos junto ao governo norte-americano.

No Brasil, também existem arquivos que precisam ser pesquisados. “Há documentos e temos que pesquisar. As pessoas que vão buscar esses documentos têm que saber o que se procura. Aqui em Brasília, no Arquivo Nacional. Em São Paulo, no arquivo do Dops“, exemplifica Krischke.

Jair Krischke afirma ainda que existem arquivos da ditadura em poder dos militares. Segundo ele, os papéis podem ter sido queimados, mas antes foram microfilmados e estão sob a guarda de militares. Ele explica que é norma internacional dos serviços secretos jamais destruir informações porque elas podem ser importantes em algum momento.

O tesoureiro da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, Sezostrys Alves da Costa, também entregou à comissão parlamentar documentos de ex-militares sobre as quatro operações no Araguaia, inclusive os da chamada “Operação Limpeza”, que tinha como objetivo apagar sinais e provas da matança na região.

“É uma operação que houve na região logo depois da aniquilação da guerrilha. Essa operação iniciou em 1975 e até a década de 1990 a gente tem registro de que ela continuou acontecendo”, explica Costa. “Essa comissão parlamentar deve assumir essa tarefa de buscar mais informações acerca dessa operação, o que pode levar a uma possível localização coletiva de restos mortais.”

Depoimentos de ex-militares e pessoas que viviam na região do conflito também foram registrados pela associação. Costa quer que, ao final da Comissão Nacional da Verdade, os livros escolares enfim contem o que realmente aconteceu na Guerrilha do Araguaia.

Qualquer pessoa que tenha informações sobre esse período e queira depor na comissão pode entrar em contato pelo e-Democracia ou pelo telefone da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (61) 3216-6570.

 

Fonte – Agência Câmara

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *