A comissão pernambucana

O senador gaúcho Paulo Paim denunciou na tribuna do Senado que Cláudio Guerra, ex-delegado do Dops no Espírito Santo, teria sofrido um atentado há poucos dias. Uma informação inquietante quando associada à causa provável: o ex-delegado foi aquele que revelou no livro Memórias de uma guerra suja supostos crimes cometidos pela ditadura militar, como a incineração de corpos de militantes de esquerda – entre os quais os pernambucanos Eduardo Collier e Fernando Santa Cruz – em uma usina de cana-de-açúcar do Rio de Janeiro.

O atentado seria uma queima de arquivo?A resposta pode explicar por que o personagem e os episódios que revela seriam suficientes para justificar a criação de instrumentos destinados a resgatar a memória nacional nos períodos em que ela foi escamoteada. Assim ganha destaque a Comissão da Verdade estadual, a exemplo da que foi nacionalmente criada pela presidente Dilma Rousseff. Há razões legais, históricas e sentimentais que a legitimam: durante a ditadura, Pernambuco foi um dos Estados mais atingidos, com a deposição do governador Miguel Arraes, destituição e prisão de vários secretários, cassação do prefeito e vice-prefeito do Recife, de deputados estaduais e federais, torturas de ativistas, assassinato do padre Henrique e de militantes, alguns cujos corpos nunca foram encontrados.

Cabe realçar a preocupação de não contaminar o propósito de clarear a história com o sentimento de revanche, como recomendou a presidente da República. O que move essa busca é a necessidade de apurar, nomear e tornar públicos os agentes causadores de todas as iniquidades. E é esse o espírito da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, criando a Comissão Nacional da Verdade: ela se destina a reescrever nossa história “sem caráter jurisdicional ou persecutório”. A escolha da Comissão estadual obedeceu mais ou menos a linha da entidade nacional: as pessoas escolhidas são todas ligadas aos movimentos populares, com perfil de esquerda na forma como foram carimbados todos os que durante a ditadura militar se voltaram contra o autoritarismo, inclusive o mais jovem membro do grupo – o sociólogo e professor de direitos humanos Manoel Moraes – que sequer havia nascido quando do golpe de 64, mas engajou-se muito cedo na resistência.

E porque não tem caráter jurisdicional, o que se espera dela é que exponha os cadáveres insepultos pelo impunidade de seus carrascos, dando à história toda sua dimensão pedagógica, ensinando às gerações de hoje o que não deve ser repetido. Em alguns casos será possível visualizar uma ação conjunta das comissões nacional e estadual, em resposta a perguntas dramáticas como a que vem sendo feita pela mãe de Fernando Santa Cruz desde seu desaparecimento, em 1974: Onde está meu filho? Agora com o testemunho de peso do ex-delegado do Dops, pode ficar registrado na história que o jovem foi executado, mas estão faltando os nomes dos executores de um crime imprescritível para a memória nacional.

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