Verdade só vai apurar crimes atribuídos a Estado

Na primeira reunião com parentes de mortos e desaparecidos, coordenador da comissão confirma o foco das investigações

Em sua primeira reunião com ex-presos e familiares de mortos e desaparecidos políticos, ontem, em São Paulo, os integrantes da Comissão da Verdade acabaram com as possíveis dúvidas sobre o caráter de seu trabalho. Coordenador do órgão, o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, disse que o caráter da Comissão da Verdade será o de apurar os crimes cometidos pelo Estado e não os “dois lados” do conflito durante o regime militar:

– Quais são os dois lados? Vamos procurar as graves violações aos direitos humanos. Quem comete graves violações? A lei diz isso (que se trata de violações do Estado).

Uma das críticas feitas pelos familiares foi sobre a declaração recente do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias de que a comissão deveria investigar os dois lados. Segundo os participantes da reunião, Dias afirmou que sua declaração foi mal interpretada e que ele nunca defendeu a investigação das ações dos grupos de resistência à ditadura.

Gilson Dipp também explicou aos familiares sua atuação no julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA sobre a Guerrilha do Araguaia. Ele é criticado por ter sido testemunha convocada pelo governo brasileiro.

– O ministro Dipp explicou que foi chamado como perito, para dizer como funcionava o sistema judiciário brasileiro. Ele disse que não entrou no mérito do Araguaia – disse Ivan Seixas, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Os familiares, alguns muito emocionados, cobraram apuração dos casos de desaparecimento e a localização dos corpos das vítimas. Apesar disso, segundo Seixas, que foi um dos organizadores do encontro, as famílias estão otimistas com a Comissão da Verdade.

– Eles manifestaram todas as suas preocupações, seus desejos em relação aos trabalhos da Comissão da Verdade. Nossa missão foi mais a de ouvir e, de certa forma, explicar o funcionamento da comissão. Sempre é uma reunião em que as emoções vêm à tona. É natural. E é uma obrigação nossa darmos transparência e ouvir esses familiares – disse Dipp, acrescentando que o grupo deve começar a ouvir os agentes da ditadura: – Vamos trabalhar em várias frentes: na requisição de documentos de órgãos públicos, com as comissões já preexistentes, como a Comissão da Anistia e a de Mortos e Desaparecidos, com oitivas de familiares e de pessoas envolvidas em alguma violação de direitos humanos.

Um dos que devem ser chamado é o médico-legista Harry Shibata, que assinou o laudo o da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975.

– Vamos ouvir todos os envolvidos e, principalmente, esses que possam deter informações – disse o ministro, explicando que as testemunhas não serão convocadas a depor: – A lei fala em convocação. E a convocação é mais que um convite e não se pode furtar a depor.

A ex-presa política Amelia de Almeida Teles disse que o prazo de atuação da Comissão da Verdade preocupa os familiares.

– O encontro com os familiares foi uma boa iniciativa da comissão e um importante reconhecimento do trabalho das famílias pela revelação da memória. Mas os familiares estão bastante coesos e críticos em relação a todas as iniciativas do Estado. A comissão ainda não tem um plano de ação e tem um prazo pequeno, de dois anos, para sua atuação – disse Amelia.

 

 

Fonte – O Globo

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