Getúlio: ame-o ou não

 

O jornalista cearense Lira Neto lança hoje em Fortaleza o primeiro volume da biografia de Getúlio Vargas. O livro tem gerado polêmica ao revisitar a vida do ex-presidente

 

Figura das mais pesquisadas, o ex-presidente Getúlio Vargas conduz o mais recente trabalho do cearense Lira Neto em parceria com a editora Companhia das Letras

 

Desde antes de chegar às livrarias mês passado, a obra Getúlio – Dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930), do jornalista cearense Lira Neto, inspirou expectativas pela extensão do projeto de se biografar numa trilogia o personagem mais pesquisado da história brasileira. Ao mesmo tempo, provocou as primeiras críticas.

O escritor e jornalista Fernando Jorge se apressou em desmentir Lira Neto ao ler em fevereiro na coluna Panorama Radar, da revista Veja, que “um Getúlio surpreendente emerge das páginas [da biografia]” e que “uma das revelações do livro é o discurso de formatura do jovem Vargas”. Fernando Jorge já havia pulicado trechos do mesmo discurso nos dois volumes de Getúlio Vargas e seu tempo, lançados em 1994.

Antes mesmo disso, ainda em janeiro, o historiador e jornalista Juremir Machado (autor do romance histórico Getúlio) não poupou ofensas para descredenciar as afirmações de Lira Neto à Folha de São Paulo, quando o jornalista cearense disse que seu livro esclareceria definitivamente as duas falsas acusações de homicídios feitas por opositores contra Getúlio.

Segundo Juremir, que aumentou a carga mês passado ao publicar artigo no jornal gaúcho Correio do Povo e vários posts em seu blog, a originalidade das revelações é uma “farsa”. As acusações, garantiu, já haviam sido desmentidas em livros publicados e eram largamente conhecidos dos pesquisadores.

No caso de Ouro Preto, rebatendo a afirmação de Lira Neto de que teria sido o primeiro a manusear os autos do processo, o historiador gaúcho cita o livro Serões e Vigílias, de Augusto de Lima Júnior, filho do juiz responsável pelo julgamento do homicídio na época e que reproduz no livro trechos dos autos. Já no caso do assassinado de Tibúrcio Fongue, a principal fonte citada por Juremir é o livro Getúlio Vargas: a revolução inacabada, de Lutero Vargas. No livro, o filho do ex-presidente afirma que o assassinato seria um caso de homonímia – ou seja, o criminoso tinha o mesmo nome de Getúlio.

 

Documentos

Em entrevista por e-mail, Lira Neto rebate as críticas dos dois escritores e reforça a originalidade de sua pesquisa. “O livro do Lutero, por exemplo, não traz nenhum documento para corroborar a tese da homonímia. E o de Augusto de Lima Júnior utiliza trechos seletivos dos autos do processo, com o declarado objetivo de defender o pai da acusação de ter sido comprado pela família Vargas. São fontes interessadas, portanto”, conclui.

Segundo Lira, apesar de levantar acertadamente a hipótese de que o verdadeiro assassino seria um homônimo do pai, nem Lutero Vargas, nem autores subsequentes conseguiram comprovar a versão com documentos, o que ele o fez ao encontrar o inquérito policial e o processo penal do crime, “absolutamente inéditos” até então.

Quanto ao homicídio do estudante paulista em Ouro Preto, Lira enfatiza que ninguém havia provado a partir da documentação original a inocência de Getúlio no crime, que tinha como principal suspeito seu próprio irmão mais velho, Viriato Vargas. “Por isso, esses episódios continuavam a provocar, sim, muita dúvida e controvérsia”, afirma.

Por último, quanto ao ineditismo do discurso de formatura, Lira afirma que Fernando Jorge havia reproduzido apenas alguns trechos menos polêmicos do texto, deixado de fora, por exemplo, os ataques contundentes do futuro presidente à religião.

 

Ineditismo

Dentre as diferentes recepções da biografia de Lira Neto, a linguagem virulenta e polemista de Juremir Machado, Fernando Jorge e do jornalista e professor universitário Álvaro Nunes Laranjeira, outro que sentou a mão nas críticas ao livro em texto publicado no site Observatório da Imprensa, destoa dos juízos de historiadores como Boris Fausto e Maria Celina D’Araujo, ambos especialistas no período histórico que marca o domínio político de Getúlio Vargas no País.

Fausto, que publicou em 2006 o perfil biográfico Getúlio Vargas pela mesma Companhia das Letras, assina a contracapa da edição da biografia de Lira Neto e afirmou à Folha de São Paulo que o livro não revela “nenhuma grande novidade”, mas “traz uma quantidade imensa de informações e é escrito no bom estilo do jornalismo, numa narrativa muito detalhista”. O tom de Maria Celina é parecido na resenha que publicou no jornal O Estado de São Paulo: “Para quem conhece o período e o personagem, não traz revelações refundadoras, mas tem muitos méritos que o fazem uma obra de referência, a primeira desse porte”.

O próprio Lira Neto minimiza a importância do ineditismo diante do volume monumental da trilogia projetada para ser concluída em 2014. “Não se tratam de revelações refundadoras da Era Vargas. Mas são aspectos que, no mínimo, produzem o que podemos chamar de justiça histórica. É óbvio que a obra pretende bem mais que isso. Esclarecer dois ou três episódios da primeira fase da vida de Getúlio não justificaria, por si só, o projeto de uma trilogia que terá quase duas mil páginas no total”, considera o cearense.

 

SERVIÇO

Lançamento de Getúlio – Dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930), de Lira Neto

Quando: hoje, às 19h

Onde: Livraria Cultura (Av. Dom Luís, 1010 – Meireles)

Outras info: 4008 0800

 

 

Fonte – O Povo

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